Neusinha Brizola e eu nos reunimos, semana passada, em Montevideu. Ela precisava fazer seus negócios e aproveitamos para escrever o primeiro capítulo de um livro, contando sua vida no exílio, com seus pais e irmãos. Fizemos um "tour" por seu passado. Fomos, também, a praia de Atlântida, perto de Punta para recordarmos os anos que ali morou com sua família. Foi bastante emocionante.

Escrevemos o primeiro capítulo de seu livro.





"Véspera de exílio"



Não estava entendendo nada daqueles rumores dentro de casa e dos correligionários do meu pai, se ele não estava.
Pelo jeito, minhas primas mais velhas e minha mãe estavam preparando mais um "sarau", como gostavam, à tardinha. Certamente teria bôle, bebida que gostavam de servir em boleiras de cristal.

Eu brincava, distraídamente, com minhas bonecas.
Não teve bôle e o ambiente parecia tenso.
Começaram a chegar as tias que moravam em Porto Alegre, os maridos e as outras primas.
Meu pai havia desaparecido.

Dormi como uma princesa e acordei como uma sapa. Talvez, esta tenha sido a última noite bem dormida. Toda a rua estava cercada com "bunkers" e metralhadoras. O que dava muito medo, eram os militares fardados junto aos carros de guerra. Aquilo, era uma guerra?

Vivia com meus pais e irmãos, uma família, para mim, perfeita.
Nesta dia, meu pai não retornou.
Chegavam em casa, como arautos, os homens que trabalhavam para o governo do Estado, cada um vinha com uma notícia diferente sobre meu pai. O alvoroço era tanto, que eu não tinha discernimento suficiente para compreender a situação.

De repente, me vi sem casa, morando com a Tia Landa, irmã mais velha de minha mãe e minha madrinha. Uma casa muito alvorotada, por ela ter muitos filhos. E ainda, meus dois irmãos: João Otávio e José Vicente.
O tempo passou... Meu pai desaparecido e nós continuamos morando na casa da Tia Landa.
Suspeitava que minha mãe encontrava com ele, às escondidas. Meu primo Juca, cada vez que minha mãe e tia Landa saíam sozinhas, no portão da rua Luciana de Abreu, berrava:
- Suas putas!!! - Vagabundas!!! - Já vão sair!!!
Eu adorava, só não gritava igual porque não me encorajava e também, tinha pena da minha mãe que chorava o tempo todo.

Em alguns dias fomos para o exílio, com meu pai ainda desaparecido.
Entramos no pequeno avião Constellation, minha mãe, meus irmãos e eu, quando ela foi chamada pelo general que tinha nos acompanhado até lá. Ela não quis sair sem nós. Onde então, o general falou: - "O seu reinado, acabou" e ela respondeu: - "Aqui, começa o seu".

Se quiserem saber mais sobre a história, leiam o meu livro que estará nas livraria.
E... não é mintchura!
Meu pai sempre dizia: "minha filha, você é a ovelha negra da família". Confio em ti.
Sei que dei bastante trabalho a eles mas, como sair ilesa de uma situação como esta?
No exílio, ainda com o pai desaparecido, a cada dia vinha da fronteira, uma notícia diferente.
Várias vezes, choramos a morte dele e ainda, tínhamos que dar forças para nossa mãe, que estava inconsolável.

Tia Silla, que também estava exilada por conta de meu tio João Luiz Moura Valle,
um grande jornalista político da época, começou a vender pedacinhos de terra no Brasil, para sustentar a todos. Pagava nossas escolas, comidas e até o motorista para nos levar ao colégio. Ficamos - completamente - sem dinheiro.
Meu primo predileto era o Vivi e nesta época começamos a fazer as primeiras aventuras juntos. Meu pai dizia, rindo, quando falava de mim e do meu querido primo e amigo para sempre, Vicente, de apelido Vivi e eu, Neusa Maria, de apelido Bahia: - "A Bahia e o Vivi quando se juntam, não se somam, se multiplicam".

Hoje, conto os momentos bons e maus que passei junto a minha família.


















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