Paris, Paris, Paris. Uma vez lá, sempre lá.


Depois de passar anos, décadas, indo a outros lugares, fazendo outras viagens, conhecendo outras pessoas, experimentando outro jeito de viver, Paris fica estampada na memória como um coração pulsante de possibilidades.


Mesmo que agora eu esteja sentada dentro de um galpão crioulo, no campo, tomando chimarrão.


Nunca mais, a gente vai embora de lá. Nunca!


Cá estou, ainda dentro do retrato das minhas lembranças...


Mesmo já tendo ido, como eu. Fui embora, mas não me despedi. Nem agora!


Nessas convivências, daquele tempo, aprendi que brincar com a minha idade era algo que exigia mais postura diante da vida. 


Então, comecei a fazer profundos laços de amizades. Profundos mesmo: com cumplicidade, com vínculos fortes e sérios,tanto com os guris, como com as gurias.

Era muito mais divertido. Assim, sempre estávamos prontos para a aventura e éramos fiéis uns aos outros nesse companheirismo.


Na minha infância, tive uma experiência com meu irmão Michael (único), dez mêses mais velho do que eu, quase gêmeos


Naquela época, em Porto Alegre as ruas eram muito mais verdes, muito mais verde do que as casas.


Assim, elas eram todas arborizadas. Na nossa zona, era com cinamomos.


Tínhamos um amigo que morava duas casas acima da nossa, o Cid. E no morro, zona Bela Vista, bem ali pela Casemiro de Abreu, havia um conglomerado de casas dos empregados da região que hoje chamam de favelas.


Só que moravam em casinhas decentes, as crianças todas estudavam e os pais, realmente, trabalhavam.


Nós três éramos cúmplices mas, o cabeça das nossas guerras de cinamomo, era eu.


No primeiro dia de aula em Vincénnes, acordei cedo de novo para pegar o metrô Saint Dennis. A cidade ainda dormia.


Já no outono, o céu ficava triste, com brumas. Caminhávamos na rua sem reconhecer a próxima pessoa que vinha andando.


Eu estava em êxtase!


Mistura de medo e alegria, que me faziam caminhar firme e forte.


Pensei que não tivesse que enfrentar mais uma jornada, desta vez política, para crescer. Aí, morava a essência da minha vida e a essência das alegrias e tristezas.


Bem feliz, já sabia as matérias que iria cursar. Uma delas, era com Josué de Castro, o sociólogo que escreveu "Geografia da Fome".


Ele é autor de frases emblemáticas que serviram para popularizar as injustiças que este fenômeno trouxe e ainda traz, a milhões de indivíduos do planeta Terra. 


"Denunciei a fome como o flagelo fabricado pelos homens, contra os outros homens”.


“Metade da população brasileira não dorme porque tem fome; a outra metade não dorme porque tem medo de quem está com fome”. 
“Só há um tipo verdadeiro de desenvolvimento: o desenvolvimento do homem”.


Também escolhi, ingênuamente, relações EUA x América Latina para entender melhor o que chamavam no Brasil de Imperialismo Americano. Não tinha muito noção. Até ali, só me interessara por histórias boas.


Novamente entrei em Vicennes, sentindo o cheiro da raiva dos desgarrados de suas terras.


Não tinha entendido porque não tinha aulas. Mas, logo vi grupos cerrados pelos corredores e no pátio da Universidade.


Subi e meu peito tremia diante da curiosidade do momento.


A primeira aula foi com um professor africano, justamente sobre as relações EUA x América Latina.


Claro, que eu diferia dos outros alunos, até pela maneira de me trajar.


Imediatamente, ele botou o olho em mim, mandou me levantar e perguntou:


- De onde você vem?


Levantei e disse:


- Venho do Brasil.


Os alunos se voltaram em minha direção, pensando, mais uma revolucionária!


Pobre de mim! Nem sabia direito o que estava fazendo lá dentro!


Quando saí da aula, já foi ladeada pelos revolucionários da América querendo saber como era a minha vida e o que fazia no Brasil.


Bem, eu não podia dizer que gostava de dançar, de namorar e de filosofar sobre a vida...


Disse, então: - Fui funcionária pública. Só.


Imediatamente, eles me adotaram como mascote ou Maria Bonita, não sei bem, aquela que pega na metralhadora.


Porém, continuei na minha...


Me convidaram, inclusive os espanhóis, para fazer parte das reuniões secretas em restaurantes e caves espanholas e em alguns locais brasileiros. E também, para assistir "Estado de Sítio", de Costa Garvas.


Aos poucos, com os filmes, as reuniões, os livros e seminários dos professores, fui ficando conscientizada.


Não podia tomar partido de nada, jamais seria a minha escolha de vida.

A escolha de não transgredir nos meus passos, era uma das minhas regras básicas para não me arrepender e como ela foi proveitosa!

Nunca fui santa – é verdade - mas, também, jamais tive que rezar um rosário de arrependimentos.

Comecei a frequentar filmes de vanguarda, não só políticos como também, "Flash, Trash", de Andy Warhol e "A Laranja Mecanica", de Kubrick.

A curiosidade deles, me fez conseguir músicas brasileiras, para que eu pudesse mostrar o trabalho, dos também exilados, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque.



Logo comecei a interagir, pelo fato de que a cultura era mais fácil para mim já que, no Brasil, eu estava dentro dela. Mesmo que naquele momento estivesse tudo proibido e como eu não tinha medo do perigo, ou noção, conseguia tudo que não estava à disposição. Vocês sabem como cultura é difícil... 







Já tinha mais um motivo para as nossos encontros da noite, meu e do Rony. Antes, íamos ao cinema, depois, passávamos nas reuniões da universidade.

Ele tinha as dele, eu, as minhas e íamos, a cada semana em uma.

Mas, voltemos ao que o mundo me oferecia lá, naquela cidade iluminada, espécie de “santuário” de festas e artes, de lições eternas.

Uma Marta rápida no gatilho mas, que nunca atirava sem antes pensar onde estava o alvo. Pensando bem, eu não tinha alvo. Apenas, estava deixando a vida me levar. Lógico, com quem eu queria conviver e no lugar em que eu queria estar.

Isto acontecia sem eu fazer força alguma.

Simplesmente, acontecia...

Do meu coração saíam flechas e eu estava apaixonada pela vida! Acabava claro, acertando, errando ou mudando de alvo no meio do caminho.

Hoje, estou acompanhada pela minha história, por muitas histórias que fazem a minha e pela minha história fazendo muitas outras. Sinto-me muito honrada por estar agora, sentada na beira das barrancas do Rio Uruguai, a lembrar do outro lado do Atlântico.

É assim, que se laça a felicidade, que se alcança este estado máximo do ser humano. Lutando, jogando nosso laço simbólico e puxando-o para que nos acompanhe, seja através de qual trilha se escolha. Paris ou São Borja, tão diferentes, mas a consciência de tudo isso é minha e eu sou uma só.

Quem poderá ter alguma idéia sobre o que significa este faroeste do extremo sul brasileiro? Tantos anos de Paris e no entanto, agora, estou às margens do leito caudaloso do Rio Uruguai, que não me deixa esquecer de Heráclito, bebendo com os olhos suas águas poderosas de tantos peixes dourados.

Aqui, ainda aqui (lugar tão ermo), existe futuro (que bom!) e nele aconteceria enfim, o meu batismo.

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2 comentários:

    clarice ge disse...

    Tenho verdadeiro prazer de ler teus textos, te falei isto ainda hoje.
    Abração queridaaaa!

  1. ... on 26 de março de 2010 às 01:25  
  2. Anônimo disse...

    Meus amigos estou com saudades dos comentários.
    Me ausentei mesmo escrevendo, devido ao nosso verão diabólico, que me tirou a inspiração.
    Agora que retornei realmente, peço que me escrevam comentários que tanto me incentivam a continuar. Saudades de voces!!!
    Marta

  3. ... on 30 de março de 2010 às 15:56