Minha colega de apartamento Bete Zambrano e eu, éramos antagônicas. Ela, uma madona plácida e eu fogo que entrava, saía, subia, descia



Neste tempo, adquirimos um novo vizinho na L'Ilê Saint Louis, o Moisés, mineiro de Três Lagoas.

O que me intrigava muito porque ele dizia que só tinha uma lagoa! E se as duas outras secaram, eles tinham que mudar o nome da cidade?

Cumprido, de óculinhos e gabardine, parecia um professor aloprado!

Descobri que ele era gay, me contou: aí, não teve mais jeito, peguei no pé dele!

- Mas porque que você não coloca esta franga para fora, perguntava eu!

- Não podes te vestir assim... Porque deste jeito não vais arranjar nem um namorado!

- Vamos ao Café De Flore ver se pescamos alguém para ti!

Ficávamos horas conversando e eu inconformada, porque ele não parecia gay...

Falava:


- Nós, nos anos 70 e tu com todo este preconceito de ser gay?

A Bete sorria, sempre com um cigarro Marlboro na mão. 


Eu fumava Gauloise porque nunca tratei o dinheiro com constância, portanto eu vivia dura! 

Sempre era uma forma de me aventurar...

Ela sempre estava com um lindo tricot na mão, comendo bombons succhard e com aquele seu precioso Marlboro. Era a rica da casa, pois sabia economizar.

Por sua vez, estudava fotografia na Sorbonne. Tinha sempre equipamentos de todos os cursos que fazia.

Imagina se na época, eu iria economizar para comprar uma máquina fotográfica bem cara...

Não tinha tempo para olhar o mundo através de uma câmera.

Bete já tinha feito vários cursos, várias faculdades, não terminando nenhuma...

Hoje é psiquiatra de ponta, mas na época eu também lhe perguntava:

- Para que tantos cursos? Afinal, o que tu queres ser?

A forma que ela ganhava um pouco mais de dinheiro era trabalhando como modelo para futuros pintores. Claro, a profissão especial para ela: sentar e ficar...

Muito sábia e bem aventureira para estar alí.

Moisés trabalhava de noite num restaurante, acho que era brasileiro.

Voltava sempre com dois pacotinhos com comida do restaurante para nós.

Passou um tempo e um dia ele me chamou:

- Marta, daqui a meia hora venha conhecer o meu apartamento, que fiz uma nova decoração! De tanto eu reclamar, é claro! 

Esperei, louca pra conhecer. Bati em sua porta e qual não foi a minha surpresa?

Moisés abre a porta com um macacão de paetê prata, com umas botinhas de plataforma, parecia um marciano gay, plumas no rosto, na cabeça, todo maquiado, mas o óculinhos continuava, tapado com uma máscara.

- Hello! Venha conhecer o meu novo apartamento!

Daquela pessoa clássica, vinda do interior de Minas ele se tornou uma drag queen, semelhante a um astronauta.

Uma grande piteira na mão, sinalizava que agora, aprendi.

Será que eu tinha criado um monstro ou uma pessoa consciente de sua condição?

Ele estava um pouco demais, o que me preocupou.

Abrindo a porta, disse: 

- Entre, venha conhecer meu novo país!

Quase caí de costas...

O apartamento estava decorado todo prateado, parecia um sputnik e o pior, tinha um vivente lá dentro que ele fantasiou de menina astronauta e me apresentou:

- Esta é Jean Marie, nasceu Jean e se tornou Marie, é a minha namorada!

Fiquei em choque. Senti que produzi alguém diferente nesta Terra!

Sentei na cama e perguntei, preocupada:

- Assumistes esta maravilha para sempre, noite e dia?

Vais perder o emprego!

E quem nos traria a comidinha da noite?

Mas, como sempre, quando saí me virei e disse:

- Melhor assim do que do outro jeito!

Talvez ainda tu te vistas de fada madrinha, ou de bailarina, não sei, deixa evoluir!





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5 comentários:

    Marta Schönfeld disse...

    Paulo Bentancur disse... Marta!, de volta, guria... Saudades dos teus textos E de volta com as tuas voltas e reviravoltas próprias de um espírito inquieto e capaz de renovar-se sempre. Ao nos narrar tua trajetória até aqui, tu nos dá um banho de renovação também. Obrigado e parabéns! Senti a falta dessas histórias incríveis durante metade do verão. O teu calor não pode ser substituído pelo calor vazio do clima, despido das tuas andanças e descobertas tão humanas! ganhar dinheiro com artesanato

  1. ... on 22 de agosto de 2013 às 20:41  
  2. Marta Schönfeld disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  3. ... on 22 de agosto de 2013 às 20:41  
  4. Marta Schönfeld disse...

    Lizete Vicari disse... Marta, que bela história! Não é por acaso que és a mulher sensível que és hoje! Um beijo em teu coração minha querida! clique aqui

  5. ... on 22 de agosto de 2013 às 20:48  
  6. Rogério Monteiro disse...

    Martinha querida .... fazia tempo que não conferia teu blog!! Adorei esta histórinha .... kkkk..... Tens um grande talento para a escrita, uma fluidez natural difícil de ser encontrada ... Teu livro vai ser um sucesso, e quero ser um dos primeiros a recebê-lo... Com dedicatória, é claro!!! Beijo grande, e se precisar dos meus préstimos fique à vontade, ser[a um prazer participar.

  7. ... on 11 de julho de 2015 às 11:05  
  8. clarice ge disse...

    dos melhores textos que já li aqui, rindo muito! Martinha, és uma figuraça, sorte minha te ter como irmã..

  9. ... on 11 de julho de 2015 às 14:55