Ainda no Rio de Janeiro, com meus novos amigos e namorando o Vicente: sem ele, não me vi mais pela vida. A semelhança de nossas infâncias me fazia entendê-lo perfeitamente.
Claro que havia uma grande diferença, pois meu marido – o Vicente Luis – e sua familia haviam saído do Brasil debaixo do "convite" de metralhadoras apontadas para eles. O irmão Ike (Henrique Goulart do Valle), com apenas 5 anos de idade, e o Vicente, só com 8. Cedo demais para testemunhar esse lado cheio de sombras da existência.
Perto do meu problema, o deles era gigantesco.
Do meu lado, era uma insegurança quanto a ser judia e alemã. Nesta condição, me sentia sem pátria. Precisei romper com meu mundo para entender como eu era.
"A ave sai do ovo, o ovo é o mundo, quem quiser nascer tem que destruir o mundo" (Demian, romance de Hermann Hesse, que não resisto e já citei mais de uma vez aqui neste blog).
Olhando para trás, me dei conta de que a minha estrada me reservava um caminho novo e eu tinha me preparado para ele.
Um turbilhão de emoções caracterizava o meu viver, então no Rio de Janeiro, com o Vicente e a família Goulart e agregados.
O momento era decisivo – de escolhas, e a ansiedade sentida era natural e até esperada.
O balanço desse ciclo de minha vida me levou às lembranças do recente retorno ao Brasil.
Foram quase 3 anos na Europa, os últimos 6 meses em Londres.
A chegada ao Novo Mundo (que eu imaginava já velho Novo Mundo) me deixou confusa demais, e a saída, claro, foi buscar um psiquiatra: eu precisava construir uma ponte entre o velho e o novo para transitar, sem acidentes, nesse túnel do tempo.
Para começar, as cidades européias são museus vivos da cultura universal, caracterizadas pela liberdade de expressão.
Já aqui no Brasil, tudo era proibido; a censura estava na ordem do dia. O povo, de norte a sul, transformara-se num dócil rebanho.
Mais uma vez a minha rebeldia gritou mais alto.
Logo fui encontrando, reencontrando meus velhos amigos, que, buscando uma liberdade plena, afastaram-se do burburinho das grandes cidades.
Moravam em sítios no interior, e também em praias como o Porto de Imbituba, integrados na realidade dos anos 1970.
Amigos que estiveram comigo em Londres, como Homerinho Lopes e Fernando Nardi, estavam lá.
Pulava para a beira do mar, ia para Imbituba – que era quase uma aldeia de pescadores, com casinhas de madeira e o charmoso chalet 4 da família Catão, que tinha a concessão para explorar o porto local.
A Praia do Porto foi a última armação baleeira, extinta em 1975 não por proteção às baleias, mas porque não existiam mais, graças aos gases emitidos pela indústria carboquímica de propriedade da já citada família.
Meu amigo Fernando Nardi morava na ponta dessa praia.
Quando o terreno foi desapropriado, levou sua casa sobre um caminhão para a Praia do Rosa, sendo o primeiro forasteiro a viver no local.
Eu andava realmente atrapalhada, pois as diferenças culturais eram imensas.
Comecei a me entregar à natureza, onde meu elo era mais forte, onde encontrava as asas da minha mente.
Em Paris, larguei Vincennes, e agora, à beira do mar, escuto Bob Marley: "No woman no cry"
Claro que havia uma grande diferença, pois meu marido – o Vicente Luis – e sua familia haviam saído do Brasil debaixo do "convite" de metralhadoras apontadas para eles. O irmão Ike (Henrique Goulart do Valle), com apenas 5 anos de idade, e o Vicente, só com 8. Cedo demais para testemunhar esse lado cheio de sombras da existência.
Perto do meu problema, o deles era gigantesco.
Do meu lado, era uma insegurança quanto a ser judia e alemã. Nesta condição, me sentia sem pátria. Precisei romper com meu mundo para entender como eu era.
"A ave sai do ovo, o ovo é o mundo, quem quiser nascer tem que destruir o mundo" (Demian, romance de Hermann Hesse, que não resisto e já citei mais de uma vez aqui neste blog).
Olhando para trás, me dei conta de que a minha estrada me reservava um caminho novo e eu tinha me preparado para ele.
Um turbilhão de emoções caracterizava o meu viver, então no Rio de Janeiro, com o Vicente e a família Goulart e agregados.
O momento era decisivo – de escolhas, e a ansiedade sentida era natural e até esperada.
O balanço desse ciclo de minha vida me levou às lembranças do recente retorno ao Brasil.
Foram quase 3 anos na Europa, os últimos 6 meses em Londres.
A chegada ao Novo Mundo (que eu imaginava já velho Novo Mundo) me deixou confusa demais, e a saída, claro, foi buscar um psiquiatra: eu precisava construir uma ponte entre o velho e o novo para transitar, sem acidentes, nesse túnel do tempo.
Para começar, as cidades européias são museus vivos da cultura universal, caracterizadas pela liberdade de expressão.
Já aqui no Brasil, tudo era proibido; a censura estava na ordem do dia. O povo, de norte a sul, transformara-se num dócil rebanho.
Mais uma vez a minha rebeldia gritou mais alto.
Logo fui encontrando, reencontrando meus velhos amigos, que, buscando uma liberdade plena, afastaram-se do burburinho das grandes cidades.
Moravam em sítios no interior, e também em praias como o Porto de Imbituba, integrados na realidade dos anos 1970.
Amigos que estiveram comigo em Londres, como Homerinho Lopes e Fernando Nardi, estavam lá.
Pulava para a beira do mar, ia para Imbituba – que era quase uma aldeia de pescadores, com casinhas de madeira e o charmoso chalet 4 da família Catão, que tinha a concessão para explorar o porto local.
A Praia do Porto foi a última armação baleeira, extinta em 1975 não por proteção às baleias, mas porque não existiam mais, graças aos gases emitidos pela indústria carboquímica de propriedade da já citada família.
Meu amigo Fernando Nardi morava na ponta dessa praia.
Quando o terreno foi desapropriado, levou sua casa sobre um caminhão para a Praia do Rosa, sendo o primeiro forasteiro a viver no local.
Eu andava realmente atrapalhada, pois as diferenças culturais eram imensas.
Comecei a me entregar à natureza, onde meu elo era mais forte, onde encontrava as asas da minha mente.
Em Paris, larguei Vincennes, e agora, à beira do mar, escuto Bob Marley: "No woman no cry"
Às vezes eu ia a shows nos arredores de Florianópolis, como o de Carlinhos Hartlieb . Era uma cidadezinha quase nativa; prá chegar lá a estrada era de chão batido.
Bota aventura nisso!
Um dia, sentada sobre as pedras da Praia do Rosa, no canto norte, o mar imenso lá embaixo, senti de forma palpável a comunhão do céu, do mar e do ar .
O fogo do sol era ouro que brotava da natureza. Percebi, com o espírito e o corpo, como eram fortes as pedras, aquelas pedras de vulcão, como eram poderosas naquele horizonte imenso.
É inesquecível a sensação de poder do universo.
Lá aconteceu meu primeiro casamento com Netuno, tendo Júpter como padrinho e Vênus como madrinha.
O casamento com Deus, assistido por deuses e por Iemanjá, mãe das águas.
Tive a consciência da transformação.
Então, pela primeira vez , travei contato com o meu poder.
Tudo é possível, basta mover-se, flanar entre todas as coisas.
As mudanças internas passaram a se refletir na minha aparência despojada, trajando roupas indianas e camisas de flanela. Botei as “griffes” de lado e passei a me vestir como Iemanjá, como as sílfides, integrando figuras da mitologia, do candomblé e da cultura indígena, segundo entendo para experienciar realmente todas as energias emanadas desse universo mágico.
Entre todos estes personagens, na verdade eu era uma cigana.
Pode ser loucura, mas não era... era...
Só o meu psiquiatra que achava!
Esses sentimentos me fizeram crescer mais uma vez em relação à minha postura diante do mundo. Descobri no Brasil o maior litoral imaginável, do Oiapoque ao Chuí.
Em Belém do Pará, no Amazonas das vitórias-régias, até no litoral sul, de ventos fortes, temos uma riqueza imensurável.
A riqueza que só conheci verdadeiramente quando comecei a lavar tudo que existia culturalmente dentro de mim.
Ali, aquele sentimento de liberdade abriu os olhos do meu coração.
Como era bom ficar à beira-mar numa casinha de pescador, confraternizar com velhos amigos que começaram a fazer surfe e acordavam dizendo "é o vento saruel", "é o nordestão"... vamos às "waves", escutando o Bob Marley.
Aquela simplicidade tinha algum preço: largar os sapatos de marcas famosas, e os mocassins feitos à mão por um sapateiro de São Paulo (Spinelli) era um deles, os herdeiros de uma nova visão de mundo.
Os pés descalços sobre as pedras, por estradinhas tortuosas, eram a minha comunhão com todas as coisas. A sensação do estar aqui e agora!
Comer broa, chimia de banana e andar de pés descalços.
Me fantasiava de natureza para entrar nesse novo porto.
Os banhos de cachoeira, as trihas pela mata com meus amigos surfistas, isso tudo propiciava uma energia até então desconhecida por mim.
Certamente, ela, a natureza, estava me fortalecendo e preparando-me para os novos caminhos aonde o destino estava me levando.
Reuníamos-nos na Praia do Rosa, só nós e os nativos, onde tinha um galpão chamado "hotel". Eram só uns casebrezinhos e uma oca denominada Bordô, mais conhecida como "bar do Alemão".
Esses encontros , ao entardecer, eram para dançar, jogar conversa fora e tomar a cachacinha do João do Morro.
(sobre o Rosa, leia o texto do jornalista Rogério Montereiro: "Foi lá por 76...")
O entardecer, com o pôr do sol e aquela cachacinha, nos fazia rir além da conta, em meio aos taquarais.
A felicidade reinava entre nós, todas as possibilidades nos pertenciam.
Aquela menininha, minha amiga, estava junto comigo e se deliciava com as minhas aventuras: escalar um rochedo, sair no barco de algum pescador ou caminhar de praia a praia, costeando o mar.
O reggae tocando fazia parte da magia que existia entre nós, desbravadores, também, de novos caminhos.
Ai, crescer, crescer – o que o destino me reserva?, eu me perguntava.
Não sei! Mas seguia em frente ... sem lenço, sem documento e... de pés descalços!
8 comentários:
Anônimo disse...
Adorei o texto e também aquele que está incluso. Seria ótimo que aqueles que tivessem fotos daquele tempo, postassem no blog.
Marta Schönfeld disse...
Temos muitas fotos, mas é preciso arrecada-las; com o tempo vamos postar outros depoimentos, que terão novas fotos.
Anônimo disse...
"Fantasiar-se de natureza" é a melhor sacação que já conheci prá perambular com liberdade por dentro e por fora sem perder o eixo. Pô Marta! Tu varou por tudo isso tão diferente, extremos galácticos e conseguiu fazer de tudo uma energia pulsante perambulante até hoje!!!!! És um verdadeiro planetinha Terra aqui mesmo, sem chances de se auto-sucumbir. Viajar contigo é não se perder jamais, e curtir cada gota ou bombardeio na sua verdadeira intensidade. Ótimo! Assim o tédio parece piada... bju Carla
Paulo Bentancur disse...
Martinha,
me conta: ontem acendeste uma velinha? Compraste ou fizeste uma torta? Ou abriste um champanhe? Enfim, UM ANO DE BLOG! É motivo de sobra para comemoração. E um blog com grandes achados, com grandes trechos. Como este, por exemplo: "A semelhança de nossas infâncias me fazia entendê-lo perfeitamente." Isso é literatura de primeiríssima qualidade. E há um ano temos pérolas desse tipo à disposição neste teu espaço riquíssimo e afetuoso. Tu nos devolves, sobretudo, o tempo. Parabéns e obrigado. Beijo imenso!
Anônimo disse...
Cara Marta,
puxa, um ano, incrível! E parecem décadas, décadas! Não porque tenha se arrastado. Bem pelo contrário. É que você nos deu em um ano duas gerações no mínimo a mais. Em um ano seu blog atualizou nossa saudade, nossa formação, nosso crescimento. E seu blog cresceu junto! Palmas que você merece. Continua sua leitora, sempre e sempre.
Cida Fortes Alemida - Vitória, ES.
Anônimo disse...
Grande blogueira,
primeiro aniversário, espero de que muitos e muitos. Seu blog veio para ficar. E eu ainda quero viajar bastante, no tempo, nas sensações, nas ideias que resgatam o que mostras de mais belo: o nosso lado mais humanamente radical, o mais humano.
Beijo do seu leitor,
Sillas Mendes (Rio de Janeiro, RJ)
Anônimo disse...
Amigos! Que bom que voces voltaram a comentar. Preciso de voces para me entusiasmar em escrever cada vez mais. De vez enquando cliquem em comentários, vou ficar muito feliz!
Obrigada Marta
Anônimo disse...
Amigos, que bom que voltaram a comentar.É muito importante pra me encentivar a escrever cada vez mais!
Obrigada Marta