-1972-




Eu tinha um convite da minha grande amiga para morar com seu irmão na Cidade Luz.

Impossível carregar o peso de pensar em tudo o que ficava para trás. Bagagem insustentável.

Só sei que este é um momento e aquele será outro.

Após me despedir dos meus pais e amigos, só queria chegar em Paris.

Durante o vôo – por uma companhia aérea argentina –, nada pensei, pois adormeci. Nem sonhei. Os sonhos estavam esperando para quando eu acordasse.

Sou despertada com um aviso no microfone: “Buenos dias. Atravessamos el Atlântico y estamos sobrevolando la ciudad de Santiago de Compostela”.

Olho pela janela da aeronave e vejo aquela cidadezinha feita toda de terracota.

O primeiro pensamento a aflorar no novo continente é uma espécie de reinauguração de mim mesma.

“Meu Deus! Consegui. Atravessei e cá estou.”

O meu vôo era direto a Paris, sem escalas. A chegada estava tão próxima que minhas emoções tornaram-se um turbilhão de sentimentos.

Naquele momento não havia medo (como sempre tive). Porém, todas as pessoas ligadas a mim não contavam com um poderoso inimigo, meu melhor aliado.

A minha incorrigível irreverência, a desmoralizar tais medos e capaz de atender por um nome mais forte, o de coragem (coração ágil).

Estou sobre Paris, sobrevoando. Olhando de cima, parece que nunca deixei esta cidade.

Orly. Que maravilha de aeroporto! Aquele enorme terminal de aeronaves parecia não ter fim. Tomado de luzes,butiques, imenso. Foi tão emocionante minha estada naquela região construída para o conforto dos passageiros e suas esperas, que acabei por sentar-me numa poltrona, tão entregue, a ponto de esquecer completamente que minha amiga Zênia me esperava.

Ali fiquei não sei por quanto tempo. Meus olhos estavam tão felizes e meu coração, boquiaberto.

Sete anos de Aliança Francesa seriam o bastante para descobrir uma cidade dividida em séculos.

Meu conhecimento daquele mundo passava por Maria Antonieta (século XVIII) e pelo homem que foi o meu primeiro grande amor: Napoleão Bonaparte. Ia até Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, existencialistas e marxistas que marcaram o século em que vivi mais plenamente.

Não sei quanto tempo fiquei escarrapachada, esquecida de outros mundos, e, como estava ainda na ala internacional, fui acordada do novo sonho por um casal de policiais. Perguntaram-me se eu me chamava Marta Schönfeld.

Quase que respondi: "não sei!"





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3 comentários:

    Anônimo disse...

    Alfredo Daudt Parabéns, Marta. O livro vai dizer sobre uma rota com rumo definido, muitas conecções, escalas, lugares alucinantes, pessoas insquecíveis e momentos surpreendentes, mágicos. Uma passagem de ida numa poltrona chique com janela para a aventura e de volta trazendo ao lado sabedoria e amor. Demorou. Vai lá.

  1. ... on 1 de agosto de 2010 às 09:15  
  2. Paulo Bentancur disse...

    Martinha, Super Marta:

    te escrevo desde Buenos Aires, onde estou há uma semana. Volto na terÇa-feira e, fazendo parte do dia a dia de Porto Alegre, te reler e ler as novas postagens que virao. Aqui no teclado do hotel nao tem til, como podes ver por este comentário. O teu blog é algo do qual a gente sai daí e já sente saudades. Como nao sentir de textos como esta passagem ótima, "os sonhos estavam esperando para quando eu acordasse"?

    Beijo grande, parabéns, sempre, pelo DE PARIS A SAO BORJA, um achado, um evento, um diário de todos nós, sobretudo teu, claro...

  3. ... on 1 de agosto de 2010 às 09:57  
  4. Marta disse...

    Obrigada amigos!
    Um bom comentário, refresca a alma! Bjs

  5. ... on 1 de agosto de 2010 às 10:11