Rony tinha uma imaginação como a minha, bem fértil. Admirávamos a beleza um do outro, uma fusão de juventude com alegria de viver.
As expectativas não deixavam espaço para a paciência.
Confúcio, com toda sua sabedoria chinesa sobre ela, não era capaz de frear estes dois jovens que o estudavam, gostavam de seus ensinamentos mas, viviam, na verdade o frenesi do momento.
Às vezes, nos enfiávamos num mercado, tipo o Marché aux Puces.
Novamente, aflorava minha cigana "Sandra Rosa Martalena", lembranças da infância que me faziam entrar em contato com minha mãe, russa de pai e mãe.
Belíssima! Uma cigana com cultura!
Ela, me ensinou a viver um dia de cada vez, mergulhar nele e ao encontrar à noite, teria mais uma história na minha vida: "As mil e uma noites".
Quando entrava nos mercados, era como entrar na magia do passado novamente. Encontravam-se broches, roupas de várias épocas, chapéus, adereços. Comprávamos para criar nossas vestimentas.
Revivia momentos com minha mãe enquanto traduzia Carmem de Bizet*, me olhava com seus lindos olhos negros marejados de lágrimas, incorporando Carmem e seu conflito com seus dois amores.
"Felizes anos 70!" em que a moda era vestir o que quizesse, revelando a criatividade de cada um, de vários séculos.
Eu, seguidamente, me fantasiava de "príncipe". Imitava Georges Sand com aquela sensualidade diferente, que se assemelhava às vestimentas dos homens.
Gostava de fazer brincadeiras, me fantasiando. Minhas musas, como Mata Hari, eram homenageadas com minha imaginação.
Mata Hari
Rony tinha uma moto. Seguidamente saíamos a passear perto da Ilha, no Boulevard Saint Germain des Prés.
Andávamos no miolo dos melhores cafés e restaurantes de Paris, como o Café de Flore, Café des Deux Magots, Brasserie Lipp... Ali, descíamos da moto, sentávamos por tempos, tomávamos um copo de vinho Côtes de Province (era o mais barato!) e sempre fazíamos amizade com algum frequentador.
Terminávamos a noite sempre num pequeno hotel em Saint Michel gravados em sua construção o século XIV. Aquele clima romântico nos trasportava para uma aventura através do amor.
De manhã, tomavamos café no própio hotelzinho ou em algum adormecido café por ali.
Éramos dois crianções. O Rony me deixava na Ilha e, rumava para Vincènnes.
Numa destas noites, num frio de rachar, fomos dar uma volta. Na rua, resolvi que queria o gorro dele, achei que, era mais quente e travávamos uma briga de gorros, que nos levava a rir muito.
Tudo era diversão.
Saíamos por Paris toda iluminada, em meio as folhas secas que faziam uma nova decoração nas ruas e aquele ar gelado que queimava a pele, deixando as maçãs dos nossos rostos vermelhas.
Os momentos eram feitos alegria, de nós mesmos.
O outono havia chegado e iniciava um novo ano escolar.
Muito curiosa e com meu dossiê de Segundo Grau, resolvi me matricular na Universidade de Vincènnes, que ficava nos arredores de Paris, estação de metrô Saint Dennis. O centro político da Europa no momento.
A Universidade de Vincènnes, era onde o governo francês criara um território para os estudantes mais radicais do movimento "Pós-1968", um espaço livre e ao mesmo tempo, degradado. Foi implodida.
No restaurante universitário, por exemplo, para que não furtassem os talheres, a administração parou de fornecê-los. Comia quem os trouxesse de casa.
O pó, às vezes, acumulava nos corredores. E as aulas, melhor dizendo, os "seminários"... "Il n’y a pas de cours!" - "não há aula!"
Nos corredores do prédio só havia terroristas, guerrilheiros e exilados de vários países da América, como chilenos e brasileiros, além dos espanhóis que se agrupavam, montando uma estratégia para derrubar o Gen. Franco.
Franceses comunistas da linha mais radical também, caminhavam por alí, com atitudes de guerreiros.
Tudo era cinza e escuro. Todos conspirando com seus capotes e idéias revolucionárias. Mas, eu entenderia depois.
Agora, só precisava saber se o Rony e eu, iríamos nos encontrar.
ESTAVA MATRICULADA!!!
No outro dia, eu voltaria para resolver as matérias que iria escolher. Para cursar escolhi História Contemporânea.
Preciso confessar a vocês que, nuuunca encontrei Rony nos corredores de Vincènnes!
Entrei numa capela que não era menos suja. Queria proteção para que nada mal me acontecesse naquele lugar.
Eu não tinha medo pois, hão de convir que sair da mesa do velho Louis Vuitton, mesmo empalhado de tão velho e de repente estar ali, de livre e espontânea vontade, havia uma diferença muito grande.
Queria saber mais, já que o meu país estava mais do que empalhado culturalmente!
Acordava cedo da manhã, ia à janela espiar o nascer do tímido sol de outono, olhar a Igreja de Montmartre com suas cúpulas brancas, em direção ao céu.
Sempre rezava assim:
"Meu Divino Deus, quero Lhe agradecer não sei o quê e pedir não sei o quê, também".
O mais legal, era que Ele me entendia.
Na verdade, agora é que aprendi o Pai Nosso pois, até então, só sabia rezar o "Santo Anjo do Senhor."
Tem uma história súfi que fala justamente nisso:
Um maltrapilho indiano rezava a Deus dizendo:
- "Meu Senhor, quando encontrá-Lo quero lavar seus pés, fazer-lhe curativos, catar-lhe os piolhos..."
Um enviado do rei que passava por ali, parou e disse:
- "Não se reza assim. Quando se dirigir ao Senhor, não Lhe fale em misérias, Ele quer escutar frases bonitas".
Deus por sua vez, encheu o mendigo de bençãos... Ele gostou!!!
Afinal, ninguém ensina ninguém a rezar. É o que penso!!!
* Carmen é uma ópera em quatro atos do compositor francês Georges Bizet, com libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, baseada na novela homônima de Prosper Mérimée. Estreou em 1875, no Ópera-Comique de Paris. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carmen
3 comentários:
Anônimo disse...
Teca Sperotto Coelho Marta, o teu blog è muito bacana ,em alguns momentos me emocionei , pricipalmente quanto falas da Neuzinha....lembrei-me de meu pai que participou tão ativamente de tudo. Tua foto com o tio Dirceu esta ótima ,parece que ele esta se comunicando com o olhar...Bjs
Anônimo disse...
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mama todo o teu blog eh lindo!!!! Te amo, te amo, te amo!!!!!!!!