Sob vários aspectos, os primeiros meses em Paris foram maravilhosos.

O Zeka era conhecido por todo o high society da Europa. Convidavam-no para tudo, eu ia com ele.

Entrei para o mundo de nobres e poderosos.

Certa vez, uma senhora baiana, casada com o dono da revista Paris Match, Lucia Buchetal, convidou-me para ir na festa de aniversário de vinte um da princesa do Marrocos, no Hotel Crillon Paris.




Experimentei todos os vestidos da Natalie, namorada do Zeka e dona da Cartier. Ela, bem francesa, quando mudavam as estações dava todas as roupas e comprava dois vestidos de gala: um de butique e o outro de uma maison, dois ternos Saint Laurent junto com algumas camisas de seda pura do mesmo.

Tudo do melhor e pouco. Qualidade e jamais quantidade.

Diferente de nós, que atulhamos o guarda-roupa.


Escolhi um vestido, de um costureiro japonês recém despontando no cenário: Kenzo.

Paris se tornava meu segundo pátio de brincar, com a Natalie e o Zeka, era muito, muito divertido.

O ambiente era de fato ótimo.

Eu me sentia num lugar tão bom quanto Porto Alegre, me recebendo bem, num clima afetuoso antes da festa grandiosa.

Embora fosse uma outra cultura, outro idioma, tantos séculos a mais e no entanto, eu me sentia fazendo parte daquele mundo como também me sentia ainda no mesmo útero.

Não observei a vida; já de saída, mergulhei nela e de repente, estava numa janela do século XVI vendo um quadro inusitado.

Os acontecimentos eram novos, mas nada que não parecesse com o meu renascer de muitos séculos.

Eu saíra para me encontrar e bem longe, mesmo assim encontrava um pouco de mim todos os dias.

O mais difícil eram as escolhas que tinha de fazer diante de fatos inéditos: aí é que morava o perigo – lugar que eu visitava constantemente, levada pela mão mais forte da minha rebeldia.

Tivemos uma reunião pré-festa na residência de Lucia, que me ensinou como fazer uma pequena e elementar saudação para a princesa e sua família. E, também, que assuntos falar à mesa.

Exemplos: se alguém revelasse o hobby da caça, eu deveria soltar o tema e, depois de escutá-lo com um sorriso de aprovação, mesmo sem entender, como dizia o Zeka, fazer o sorriso da Mona Lisa, um ar de quem entende tudo tendo entendido tão pouco.

O teatro do encantamento diante daquilo que, afinal de contas, me encantava mesmo.

Era tão divertido que ríamos como se estivéssemos num sarau até o anoitecer.

Minha maior preocupação era pronunciar meu sobrenome Schönfeld: qualquer pessoa no continente entenderia que eu era judia.

Combinei com Lucia. Vamos traduzir meu sobrenome para o português, Marta Campo Belo.

Assim não haveria problema. Eles não entendiam absolutamente nada do nosso idioma.

Ainda a sombra da menina exilada me acompanhava, como me acompanha até hoje.

Na noite do aniversário da princesa Ally Aliachá eu me sentia prestes a uma nova inauguração de mim mesma.

Quase explodia de alegria, não só pelos preparativos todos, mas pela ansiedade frente a novos e prometedores acontecimentos.

Esta sem dúvida seria uma noite típica de Sherazade.

Quando entramos no suntuoso salão do Crillon, Lucia, o marido e eu, espaço iluminado por grandes lustres de cristais, vi logo que toda a família da princesa aguardava os cumprimentos dos convidados.

Eu pensava:

- Meu Deus, a reverência, a reverência!

Será que eu não posso dançar um samba em vez disso?!

Finalmente, paramos na frente da família.

Fiz a tradicional e esperada saudação e escutei Lucia anunciar meu nome:

Marta de Montebello.

Ela errou e eu sorri discretamente, sobretudo porque ao erguer o olhar deparei-me com os olhos árabes mais lindos que já vi.

Mais que a nobreza do sangue, havia no príncipe, a me encarar, a coragem do sentimento de se deixar ser tragado pela sedução por uma estrangeira cuja única nobreza eram a curiosidade e a liberdade.



Luxuoso saguão do Hotel Crillon e seu restaurante Les Embassateurs




Eric Cuvillier©
Restaurante: duas estrelas no guia Michelin



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4 comentários:

    Kokomura disse...

    Show Martinha!!
    Fazia algum tempo que não entrava no teu blog (e depois chamam de vagabundo quem mora na praia) e adorei este teu último post!!! E a foto está linda !!!! Parabéns. Keep going!!!

  1. ... on 24 de setembro de 2009 às 19:21  
  2. Marta Schönfeld disse...

    Obrigada Kokomura querido!!!

  3. ... on 2 de setembro de 2010 às 16:54  
  4. Marta Schönfeld disse...

    Anna Cristina Pereira Rosa comentou sua publicação.

    Anna escreveu:
    "Aodro cada crônica...cada comentário teu, Marta! D+!"

  5. ... on 2 de setembro de 2010 às 19:42  
  6. Marta Schönfeld disse...

    Bota aventura nisso...Marta ,em seu blog de Paris a Sao Borja...traduz estes tempos ,a realidade e poesia .."da comunhao do céu do mar e do ar...o fogo do céu era ouro que brotava da natureza ."
    Lindo ! Muito obrigado Marta ...valeu !

  7. ... on 5 de setembro de 2010 às 18:03