À esquerda, sem peruca; e à direita, com peruca

Naquela semana posterior a festa, o príncipe começou a mandar oferendas através de sua comitiva – cada dia uma surpresa maior- num dia doces de Kieff, marroquinos, indescritíveis, noutro dia tantas flores que abarrotaram o studio.

O Zeka e eu nos divertindo, provando de tudo, sem saber no que iria dar aquelas ricas oferendas.

Até o convite oficial.
O príncipe me convidava para um almoço no Hotel Crillon.

Apesar de um certo receio, a curiosidade era muito maior que a dúvida. 

Natalie (na foto abaixo) me convenceu que em Paris era normal aqueles acontecimentos.


Topei!!!

Seguiu-se um frenesi pelo desconhecido.

O que eu iria trajar no encontro?

A Natalie era a mais preocupada.

Finalmente escolhi um terno exclusivo de Saint Laurent com um blazer de veludo verde-escuro e uma camisa xadrez escocesa de seda pura da mesma cor do casaco.

Sábado pela manhã bem cedo ela passou em casa para supervisionar a arrumação e me levar até o hotel.

Problema de última hora: o meu cabelo não ficava bem – então me decidi por uma peruca de cabelo natural, que ela havia trazido da Suíça. 

No caminho, fiquei imaginando onde seria o almoço.

Certamente no restaurante privée no hotel.

Será que a irmã estaria presente? 

Era perto do meio-dia quando a amiga me largou na frente do hotel, onde uma comitiva me esperava, com a promessa de me buscar às três e meia para irmos à Normandie, em sua casa de campo. 

Ela não dispensava o almoço de domingo com seus pais, que tinham também uma bela casa nesse povoado.

Entrei, protegida por eles, mas, para minha surpresa, me levaram à suíte do príncipe.

Ai, ai, ai!

Nunca, em momento algum, saí da minha posição: a de princesa.

Se o príncipe era de verdade, eu também era. 

A princesa das estepes, como me chamava Gilda Marinho. 

Ali, na ante-sala da suíte Louis XV do Hotel Crillon tive a primeira oportunidade de escolha real.

No meio daquela rica corte de homens, senti-me na caverna de Ali Babá, num beco sem saída.

Como assim?

Como pra mim nada é definitivo, pensei: “Você é aquilo que decide ser.” 

Eu?

Me decidi!

Na hora!

Para ser franca, eu estava um tanto desapontada.

Afinal, achava que ele queria só me conhecer melhor.

Minha atitude em relação à sociedade era assim e assim seria.

A educação que tivera, permitia que eu me posicionasse rapidamente.

Se eu estivesse decidida a jogar-me em uma aventura, jamais poria uma peruca.

Imagina!

Saia justa!

Mas isto nunca tinha sequer passado pela minha cabeça.

A grande aventura é estar presente e não julgar, apenas encontrar o seu princípio e ir a favor da correnteza.

"Como podemos ir contra a natureza, se somos a própria natureza?" (Osho)

Meu Deus!

Eu estava mesmo era dentro dos aposentos do príncipe.

E agora?

Olhei em volta, tive uma visão: um baú cheio de jóias e pedras preciosas como se estivessem à minha disposição.

Eu me perguntava: para que eu iria querer essas já que tenho boas jóias da minha avó Marta, alemã – nome que deve ter inspirado o meu.

Podiam não ser tão valiosas, mas eram da minha história de família, da minha, digamos, linhagem.

Não havia como não concluir o que, de certa forma, era óbvio: se ele era príncipe, eu também era princesa, me repetia em pensamentos.

Durante o almoço, procurei falar do Brasil, seus costumes, do regime militar - mas sem tomar partido nenhum, pois ainda não tinha partido (naqueles dias, Arena, da situação, MDB, da oposição, e aqueles cuja oposição partidária era moderada, era frágil, pois não tinham o direito ao poder).

A única consciência política que eu tinha era entender da sede de querer mais.

Com voz mansa, fui fazendo as horas passarem, distraindo-o com histórias do Brasil.

Assim senti na pele, pela primeira vez, o papel de uma Sherazade, contando tramas e fatos para o príncipe, desviando-o de sua meta.
Quando percebi, havia uma movimentação de sua comitiva, logo chegando na sala, onde estávamos.

Anunciaram que Natalie Hochk havia chegado para me buscar.

Abracei o príncipe muito satisfeita, agradecendo-lhe pelo esplêndido almoço que tinha me oferecido.

Afinal, eu tinha um país todo à descobrir, não sómente um príncipe que nem iria casar comigo! 

Já na estrada até a Normandie, para ficar mais à vontade, tirei quem tinha me salvado: A peruca...

O príncipe não era de se jogar fora!

Casas de campo da Normandie semelhantes à de Natalie








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4 comentários:

    Unknown disse...

    No final. princesas e Sherazades sempre se salvam. Se não por inteligência, ao menos por um sapo,
    por uma peruca, até mesmo pela falta de um passaporte...
    Adorei
    Beijos
    Tita

  1. ... on 15 de outubro de 2009 às 16:27  
  2. Paulo Bentancur disse...

    Marta! Impressionante essas tuas "vidas". A gata dos anos 1970 tinha sete vidas, todas elas emocionantes, ricas em filosofia do eterno desafio de existir e todas elas uma demonstração de encantamento e risco, permanentes. E como te saías bem! E como narras isso de uma forma fluente, transparente, convidativa para que leiamos e te acompanhemos nessa viagem no tempo, em tantos espaços, multiplicando (como fizeste e refazes agora) os sabores e os sentidos da existência. Obrigado por essa carona interminável e fascinante no teu blog. E parabéns pela segurança na condução e pelos percursos surpreendentes que nos mostras a cada postagem.

    Beijo grande do teu leitor.

  3. ... on 17 de outubro de 2009 às 23:08  
  4. Anônimo disse...

    Alfredo Daudt escreveu:
    "Eu vi e vivi. Não era lenda. E quero viver novamente esta aventura, agora lendo."

  5. ... on 24 de setembro de 2010 às 19:59  
  6. Anônimo disse...

    QUE DELICIA!!! Minha querida amiga Marta.
    Estás arrasando no teu blog.ADORO LER!!! Quero imprimir todas p/ ler novamente juntas.
    Quando for a POA quero conhecer a Katarina.Só conheço por fotos, ela é LINDA
    bjo querida
    Nisinha

  7. ... on 28 de setembro de 2010 às 17:46