1972.



Na parte externa da mala, o adesivo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Amo o Brasil, e o estou deixando. Por fora, uma moça com as luzes da beleza.

Por dentro, carrego as sombras de um inverno em Edimburgo.

O que estou deixando?

Vivo a primeira tomada de consciência, em que a vida não estava, até então, me concedendo quase nenhuma escolha.

A força da juventude contrastava com a excessiva força dos que decidiam os destinos de um país que nos mandava embora.

A necessidade de arrasar pelo mundo atrás de novos universos contribuiu para que eu desse o salto quântico. O que me segurava? Nada nem ninguém.

Uma imagem e uma questão que me acompanham desde os 14 anos, quando li Demian, de Hermann Hesse. “A ave sai do ovo, o ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir o mundo.”


Esse livro também falava do encontro consigo mesmo. Mas o que queria dizer isso? Como é que eu iria nascer outra vez e ainda por cima, encontrar o novo ser em mim?

Este foi o primeiro nó que dei na cabeça de minha mãe.

Alguns anos se passaram, muito estudo (mais ou menos), e vários despertares.
A pergunta ainda persistia, insistia dentro de mim.
Fui ao psiquiatra.


Depois de algumas consultas e de tontear o pobre, obriguei-o a me dizer que “para me encontrar eu precisava ir atrás de mim.” Assim ficou mais fácil.
Explicando melhor: eu andava destroçada, em vários sentidos. Tinha perdido o grande amor. Minha melhor amiga, estava acidentada.
Enfim, a vida estava, no fundo, me dando uma oportunidade. Porém, para mim, literalmente meu mundo caiu.


Minha mãe não aguentava mais a minha tristeza e a minha solidão. Com todo jeito, encontrou outro psiquiatra que pudesse ajudar a eu me encontrar. 


Após alguns meses de terapia, ele depôs as armas. Me disse: “Marta, tu precisas te encontrar!” 


Pensei: “este também não pode me ajudar. Eu é que preciso me achar” (como era difícil aquilo!). Me encontrar... Me encontrar...

Fui para casa, caminhando, pensando, pensando, quase numa vertigem.


Encruzilhada. Tinha 22 anos e ainda não sabia o que era “me encontrar”.


Voltei para casa com a música do Lou Reed na cabeça. “hey babe, take a walk on the wild side. (...) And the call girls say, doop doo doop, doop, doop...”


Chegando, fui direto falar com minha mãe, cuja origem era russa.
Praticamente, sentei-a na sala de estar e fiz com que ficasse quieta, atenta ao que eu tinha a dizer: muito! 


Naquele ambiente com sofás de veludo e, atrás da bergère, um lindo abajur de pé, produzindo sempre uma iluminação aconchegante. Sobre a saleta de jantar, um lustre nobre, de puro alabastro.
Quadros pintados a óleo de um pintor russo que retratava mulheres camponesas com uma certa brutalidade porém com seus chalés floridos.


Na verdade, não era nada assim demais, mas era mais que o suficiente.


Chegara a hora de eu falar. Eu, que já falava bastante.
“Mãe, o psiquiatra me disse que eu tenho que viajar.”

Como é que eu poderia me encontrar se não viajasse?


Ela me perguntou por que eu não ia à Bahia.


Não... É muito perto, e para que valera toda a instrução que me deram – curso de inglês, curso de francês na Aliança?...
Meu sonho entre casar ou morar em Paris. 


"Neste momento, mamãe, está decretado. Paris!”

Antes da Ditadura... família Goulart





This entry was posted on 01:00 and is filed under . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 feed. You can leave a response, or trackback from your own site.

2 comentários:

    Marta Schönfeld disse...

    o texto está ótimo!
    Grazi

  1. ... on 10 de julho de 2009 às 13:21  
  2. Unknown disse...

    martha! ta cada vez melhor teu blog! esta ultima cronica é divin a! adoreita mbém os slides show! parabéns amiga! barbarao! beijos

  3. ... on 28 de junho de 2010 às 13:22