Os dias corriam com uma festa atrás da outra. A praia bombava: entre milionários, artistas, barcos, Rolls-Royce, e arteiros como eu.

Natalie tinha duas motinhos daquelas de pneu gordo com as quais saíamos de sua villa para o porto.

De lá íamos para a praia da moda, mas então já de carona.

No meio de coquetéis de champanhe, comidas turcas, esfirras cruas, você pode até encontrar mussaka, de tanta variedade culinária, de tal multiplicidade de povos.

Botávamos, dentro de nossas cestas, um biquíni, escova de dentes, um chinelo e um óleo chamado Bergasol (de bergamota vindo da Tunísia), pois certamente naquela noite não iríamos voltar para casa.


Saint-Tropez: ladeado por pequenas montanhas, onde estão as mais belas residências que já conheci em minha vida - villas e castelos de nobres cujos descendentes ainda veraneavam ali.

Uma das noites de que me lembro. Fomos a uma festa diferente, onde tínhamos que atravessar uns canaviais até uma praia não conhecida, vazia, na qual havia várias tendas árabes.


O dono desse lugar era aquele meu exótico amigo inglês: comprido, magro, branco, com seus três nós no imenso rabo-de-cavalo, e que tinha um cachorro igual a ele, chamado Condo.

Quando entramos na tenda maior, achei que realmente estava em mais uma das minhas mil e uma noites.


Meu amigo e seu cão, sentados bem na frente da entrada, com centenas de tapetes persas, indescritíveis.

Deparei-me com um grande narguilé no meio do recinto, por onde se fumava tranquilamente o haxixe. Tudo era muito divertido, tudo extremamente bom.

O point era no porto.


Naquele lugar nos encontrávamos todos para ir às festas – a não ser aqueles festões que eram anunciados uma semana antes.

Ali conheci uma família portuguesa que certamente era de nobres, mas não lembro o nome da família.


Que nomes? Nunca me importaram muito; o que sempre me importou era a alegria das pessoas, a forma de viver. Exóticos, sim, e então, eu, que não sou deslumbrada, mas só um pouquinho, adorei!

Estavam atracados em dois barcos gigantescos, divididos em dois grandes grupos da família, que era a mesma.


Os barcos se chamavam Pila I e Pila II, o que quer dizer “transa” em Portugal.

Naquele momento comecei a entender que eles tinham uma concepção completamente diferente do que era família.

Na maioria das vezes, as separações eram separações em contrato, mas não um afastamento efetivo da família. Uma família dava um jeito sempre de estar perto uma da outra - se aceitavam como uma só.

Ai, como é moderno o meu batom!

Vá aprendendo, vá aprendendo!

Na hora em que todo mundo se reunia no porto, gostavam de me convidar para jantar no barco.

A riqueza do ambiente não posso descrever: acho que tudo que era de pegar, como maçanetas e talheres, era em ouro.

No Pila I, com um terno da época Saint-Laurent branco, usavam inesquecíveis joias de verão.

Lembro-me de uma corrente com um grande crucifixo, como bons portugueses que eram, bem católicos, artefato cujo material principal eram esmeraldas.

Entre serviçais de luvas brancas, servindo à francesa, eu só conseguia enxergar até as luvas.


Ali serviam as maiores especiarias portuguesas.

Era muito agradável, pois tinham curiosidade de saber coisas do Brasil e me cantavam o repertório de Maysa, todos pequenos, engraçados, com mãos miúdas, tanto os homens quanto as mulheres. Acho que eram as castas de Portugal, que casavam parente com parente.

Será que seriam todos os portugueses assim?

Depois passávamos para os bares do porto, onde eu me encontrava com todas as turmas para saber em que boate iríamos ou em que castelo.

Eles tinham mania, principalmente os italianos e franceses, de fazer partouse, que é "repartir" (variante de partager), traduzido literalmente como "orgia". Um casal, por exemplo, com uma moça como eu, para ter uma bela noite de prazeres sexuais.


Eu ficava boquiaberta: caía-me o queixo mesmo: como é que eles podiam se amar e, ao mesmo tempo, querer mais uma pessoa para repartir? Pra mim o amor por uma pessoa nunca se repartiu e no Brasil acho que não tinha e não tem este costume. Não com amor no meio.

Mesmo separados, porque, como é que é isso mesmo? Não sei! Só sei que quando eles me convidavam, eu dizia: “sou gay!”

Na verdade, nunca me importei com o que os outros pensassem de mim; eu me importava, mesmo, é com o que eu iria pensar de mim!

Isso se espalhou em Saint-Tropez – que eu era gay. Só entre as amigas, claro.

O mais engraçado foi uma noite em que estávamos no castelo de nossa amiga Norma, condessa de Monjoue, que no final das contas era gaúcha, de uma família pequena que foi morar em São Paulo, onde ela conheceu o conde.


Casou muito menina e já tinha seus 30 e poucos anos, sem filhos, adorava beber. Dizia que o médico dela a alertava que seu fígado poderia virar um patê de foie gras (foie = fígado; gras = gordura).

E no final da festa, tínhamos que dormir lá, e a Norma, preocupada, não quis dormir no mesmo quarto que eu.



Foi duro para fazê-la entender que aquilo era só uma defesa. Aí ela dizia: “É, agora estou entendo, não é, não é! És uma moça muito educada, Is a good girl!

Marilda e eu
Nesse meio tempo conheci a Marilda, que tinha seus 36 anos, e era como se fosse uma protetora, que me admirava pelo meu jeito de ser.

Ríamos muito; ela me esclarecia muitas coisas. Tinha um amante, Justino, italiano, riquíssimo; não sei direito a origem dos bens, sei que ele era dono, ou alguma coisa, de uma empresa de comunicações em Roma e em Nápoles - não tenho certeza se também não do resto da Itália.

Ela era pequena e muito engraçadinha e era muito feliz com ele. Quando caminhava, só se notava as duas mãozinhas cheias de anéis de rabos de elefantes e ouro, joias exóticas, moda na época.


Também tinha uma motinho igual à nossa. Nessas alturas, já era o segundo mês, e a Natalie, meio triste com o rompimento com seu namoro com o Zeka, alugou um quarto em um pequeno hotel, bem no topo da cidadezinha onde ocorriam as festas, infestada de restaurantes alegres, e eu fiquei num andar mais alto, com vista para todo o mar, sozinha, porque a Natalie resolveu andar de barco pra cima e pra baixo.

Eu não tinha visto tudo, eu precisava de muito mais!

Toda vez que o namorado da Marilda oferecia alguma joia, algum carro, ela dizia: “No bambolo, no voglio bambolo." E ele a entupia de presentes!

Esta também era uma realidade que eu não conhecia. A dos amantes.

As realidades não me importavam muito, o que me importava eram as lições que eu tirava.


E mesmo eu não querendo saber de me aprofundar em nada, aquilo era mais um mergulho na diversidade de costumes de vários povos.

E vamos lá, que semana que vem temos a festa de um árabe que era dono dos cigarros Camel. Sabemos que é na beira de uma praia particular, onde tem vários Rolls-Royce, com mansões dele e deux sector (duas pistas).

Ai, como era divertido!

¿Quién me va a entregar sus emociones?

¿Quién me va a pedir que nunca le abandone?
¿Quién me tapará esta noche si hace frío?
¿Quién me va a curar el corazón partío?
¿Quién llenará de primaveras este enero,
y bajará la luna para que juguemos?
Dime, si tú te vas, dime cariño mío,
¿quién me va a curar el corazón partío?



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10 comentários:

    Anônimo disse...

    Prezada Marta,

    parabéns para ti, e grande parabéns!, principalmente pelo humor que você consegue colocar num mundo geralmente afetado, cheio de aparências. Você renova esse mundo, traz frescor e espontaneidade ao que poderia ser mero artificialismo. Parabéns de novo. E escreva muito, muito. Precisamos nos divertir e viajar através desse região surpreendente que é sua vida. Questão de saúde, saúde mental. Isto é, o alimento através da alegria.

    Amanda Nazarin (Olinda, PE.)

  1. ... on 18 de dezembro de 2009 às 12:40  
  2. Anônimo disse...

    Minha querida Amanda!
    Sempre vou dizer obrigada amiga!

  3. ... on 18 de dezembro de 2009 às 14:34  
  4. Anônimo disse...

    Martinha,

    nunca vi nada igual! Como é que "meras" festas (e tuas festas, cá pra nós, não eram nada "meras") podem tornar-se uma lição e, ao mesmo tempo, um espetáculo do viver? Tu nos faz rir e pensar, pensar e rir.

    Obrigado por esse teu blog tão diferenciado.

    - Caio Veiga Martins, de Bento Gonçalves até o teu mundo! -

  5. ... on 19 de dezembro de 2009 às 13:09  
  6. Anônimo disse...

    Amiga Marta,

    não nos conhecemos mas amizade é assim mesmo: nasce quando menos se espera, através das situações e distâncias mais inimagináveis. Seu blog tem sido um ótimo contato para mim, que lhe escrevo aqui do Norte do País e vejo, não exatamente o extremo Sul (de onde você é), mas uma bonita parte do mundo civilizado: Paris! Obrigado por esse turismo virtual que você me propicia.

    Um feliz Natal e um 2010 de muitos textos e de grande crescimento para o seu blog. Que, na verdade, já é grande (não pelo tamanho, mas pela grandezas das ideias).

    Fátima Meira Maya - Belém, PA.

  7. ... on 23 de dezembro de 2009 às 12:32  
  8. Anônimo disse...

    Fatima!
    Gosto muito quando uma nova amiga se apresenta.
    Adoro teu estado. Estive aí pelo ano de 76 para passar o carnaval, com a Fafá de Belém que até hoje é minha amiga.Amei amei amei!!!
    Esta vai ser mais uma história no De Paris...
    Ela merece mais um post.
    Feliz Natal

  9. ... on 23 de dezembro de 2009 às 13:50  
  10. Anônimo disse...

    Amiga Marta,

    escrevi antes das festas natalinas e não lhe desejei Feliz Natal nem Feliz Ano Novo, o que desejo agora, de forma atrasada mas franca, com alegria. Estive viajando nos últimos 8 dias e só voltei ontem. Fiquei muito vaidosa com você ter respondido ao meu comentário!... Nossa, é a glória! E mais, com uma promessa que vale ouro num país que não se destaca exatamente pela memória (depois da ditadura militar passamos a ter "melhor" memória): você prometeu escrever sobre... Fafá de Belém! Eis seu blog, ajudando na reconstrução da memória deste Brasilzão. Parabéns pra você e vá com tudo em 2010, você merece e nós gostamos e necessitamos.

    Fátima Meira Maya - Belém, PA.

  11. ... on 1 de janeiro de 2010 às 11:27  
  12. Unknown disse...

    Marta! Q divina + essa sua crônica ( ou capítulo...fragmentado...de tua tão linda e vivida história de ser...quem vc é)! Pensei que tivesse postado anteiormente, mas, agora, vejo que não enviei meu comentário corretamente, o que vou tentar corrigir com essas singelas, mas sinceras, palavras, ok?
    Caso o comentário anterior tenha sido enviado, delete um deles, ok?
    Marta!
    Que forte essa sua expressão "O que eu comeco eu também termino"! E assim, mudancas, sonhos, objetivos, sentidos e caminhos vão dando novo rumo e norte à vida, não é mesmo?
    Comigo também acontecia assim, penso eu, mas, agora, o que inicio, continuo vivenciando como o presente que se dispõe em todos os momentos da minha vida, hoje, e que por certo, algum vislumbre de amanhã vai me oportunizar..
    Que feitico possuis com suas palavras nas emocões da gente! Confesso que, a cada nova postagem sua ( de suas lembrancas, vivências e viagens- interiores ou não), me transporto completamente às suas narrativas e me deleito em cada momento desses!
    Dessa vez, não está sendo diferente! Me surpreendo como podemos ter afinidades com as pessoas que admiramos, como é o seu caso, que eu admiro e estimo D+. Em meio a essa "viagem" que estás a nos proporcionar no tempo e no espaco, remeti-me às minhas idas, permanências, vindas,e , novas viagens...e, viajando, retornando, cirandando pelos lugares que conheci, vivi,visitei e que não esqueci, percebi, principlamente, que, nunca somos os mesmos: nem os lugares em si; nem as emocões;nem as paisagens; nem as pessoas ( que ficaram; que se foram, por m motivo ou outro; que estão e que são parte de nós, em toda a sua beleza e importância), porque, no espelho, reflete mudanca...contínua...em nós e o que + faz parte de nós...desde o cheiro; a cor; a sensacão; a transformacão e, por certo, a transmutacão da imagem gravada no coracão, eternizada pelo tempo que a sentimos...e, absorta entre uma lembranca e outra, recebo o telefonema do Mr. "W", que me buscou de uma dessas minhas viagens, me acompanhou nessa e em muitas outras e, como deveria ser, não viajamos nem compartilhamos + nada juntos, hoje(tal como vc, isso, eu comecei e também terminei, prá mim e em mim, pelo menos). No telefonema ele me disse que estava pensando tanto em mim que resolveu ligar.(?). Em seguida, recebo um torpedo da minha irmã que mora em Orlando (FL,EUA)e que me teve por lá com ela e família algum tempo do meu tempo, me enviando a seguinte mensagem ( que compartilho com vc): "MINHA ERMÃ -tratamento carinhoso que dispendemos uma com a outra- DEUS NÃO COLOCA EM NOSSO CORACÃO SONHOS QUE NÃO POSSAMOS REALIZAR. RECOMENDO O LIVRO THE DREAM GIVER - EM PORTUGUÊS O DOADOR DE SONHO- BEIJO NO TEU CORACÃO!"
    Que mágica sintonia se fez com a maravilhosa viagem ao "Canteiro de sua Vida", que tão generosamente vc nos oferta e compartilha!!!
    Não é mágico, mesmo, esse seu 'Canteiro Mágico de Flores; Lembrancas; Emocões; Passagens e Vivências da sua tão Grande Beleza, tão Grande Inspiracão e que faz de vc essa tão Grande Mulher na Vida"...tão bem viva e vivida???!
    Por certo que é, tudo em vc, envolto em beleza; magia; luz; bondade; sabedoria;Amor; forca; fé e amiga, muita, muita VIDA a ser vivida,em toda a sua longa e aprazível viagem por aqui!!!
    Beijão, querida e, parabéns por seres essa linda pessoa que és e que ainda vais te tornar...+ infinita...com o passar do tempo!
    ^~^ Luxo é tudo em Vc, Marta!

  13. ... on 8 de dezembro de 2010 às 17:35  
  14. Unknown disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  15. ... on 8 de dezembro de 2010 às 17:37  
  16. Anônimo disse...

    Anna querida! Quero te dizer que escreves tão bem, que podes ser uma escritora. Agradeço teus pensamentos sobre o que escrevo. Puxa!que lindo! Estou louca que chegue sábado pra ter mais tempo de ler profundamente tuas palavras. Grande amiga!

  17. ... on 9 de dezembro de 2010 às 19:08  
  18. Unknown disse...

    Marta, querida! + uma passeadela ( Pasarinhando ^~^) no teu "Canteiro Mágico de Vida" e estou extasiada com tanta riqueza de vida, de coragem e de beleza que vc nos oportuniza com suas crônicas! Realmente, estou maravilhada com + essa sua narrativa! Que universo divino tens dentro de suas memórias e vivências nada prosaicas! D+, minha tão querida amiga! Novamente, agradeco por sua generosidade de nos levar em + 1 viagem real, sua, e, onírica para nós, quando convidados através do seu blog!
    Bjão, Marta!
    Como falei anteriormente, tudo em você é Luxo e elegância! ^~^

  19. ... on 10 de dezembro de 2010 às 17:37