“Agora vou conhecer o Zeka”, pensei, ao desembarcar. A vida estava me dando uma grande oportunidade. 

E... diante daquela porta que em breve seria aberta por ele, aguardei silenciosamente o momento da minha entrada.



Não foi em vão, que antes de viajar li Admirável mundo novo, de Aldous Huxley.

Entramos num estúdio onde ele nos esperava com sua namorada Natalie Hock, dona do Cartier.

Sentei, ainda meio tonta,
com tantos fatos novos.

Olhei em volta e senti que penetrava numa outra época.

Era como se eu estivesse dentro de um quadro de Klimt, com suas cores sensuais, suas formas vertiginosas, íntimas, pinceladas feitas por ele, já um grande décor na Europa.

No meio de novos amigos, escutando Edith Piaff, sob luzes indiretas a fazer da sala um recinto tomado de uma atmosfera especial.

Vestido de veludos e sedas. Non rien de rien, non regrette rien, ni le bien...

Uma bela escrivaninha num canto.
No centro, uma grande lareira bem heráldica, a crestar todo o fogo de nossa juventude.

A voz de Piaff contando Rien de rien.

As luzes, suaves, salientavam uma sala única. Feliz Rue L’Augier.

Alô, século XVII!

Natalie levou um vinho maravilhoso da adega de seu pai.
Embora fosse apenas uma só garrafa para quatro pessoas, o fato de estarmos num outro lado do mundo imediatamente me deixou inebriada.

Toda a minha química se sentia alterada.

Meu espírito, na sua busca , sentia-se alterado.

Ali, numa outra pátria, com pessoas livres, eu olhava para trás.

Senti que no Brasil, na minha própria terra, estava alienada (o que é pior que o exílio).

Longe de onde nascera, estava enfim onde se abriam novos caminhos. “Puertas cerradas apuntan puertas abiertas” – Henrique do Valle.

Aquele vinho, naquele momento, nos levou a um êxtase pleno.

O que é muito melhor que num flash: estávamos, de repente, unidos naquele novo lugar, desfrutando da liberdade que cada um de nós vivia à própria maneira.

Naquele suave encontro, em um segundo minha cabeça viajava para o Brasil e, no segundo seguinte, voltava.

Apesar de estar ali, naquela aristocrática cidade, também sentia tamborilar dentro de mim o que mesmo queria dizer “We all live in a yellow submarine".

A Inglaterra dos Beatles despontava dentro de mim.
No Brasil, a Pimentinha Elis Regina, àquelas alturas, queria uma casa no campo.

Os Beatles vivendo num submarino amarelo e eu saída diretamente de uma redoma familiar, tipicamente burguesa, criada nos anos 50.

A situação política no País sofria de um deserto cultural – que logicamente nos deu uma brecha para nossa própria liberdade.

Foi difícil, mas aproveitei.

Lá estava eu usando a única arma que se poderia usar na época.

O direito de ir e vir (e olhe lá!) 

No Brasil, os meus amigos procurando uma casa no campo e eu ali, querendo ficar perto do meu primeiro amor, Napoleão. 

Bons são os momentos que jamais esquecemos. 

Mais uma vez, olhei para as admiráveis botas verdes londrinas de minha amiga Zênia.

Mais que uma admiração, elas apontavam para uma nova era.






















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2 comentários:

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