Na estação rodoviária de Porto Alegre, sonada, perto das 10h30min da noite, eu partia para mais uma de minhas aventuras – sempre foi assim: assumir meus erros, reconhecer meus acertos.
Aos poucos, sob o sutil balanço do ônibus no asfalto, as luzes da cidade atenuando até desaparecem por completo.
No entanto, ali estava ele, meu amigo constante: o medo. A meu lado, colado, bem naquele momento.
E mais uma vez, dentro de todos os meus enfrentamentos, busquei na coragem um atalho para o futuro desafiador.
Dois meses atrás, eu ainda chorava a morte de meu marido. Sentia uma dor tão profunda, que era como se ele houvesse me abandonado. O seu amor por mim, a sua cumplicidade, tudo aquilo que dele emanava e me tornava mais resistente, corajosa e otimista, agora era Espiritual!
Eu sabia que ele me deixara armas muito poderosas. Os laços da terra, a grandeza de eu ter ganho a consciência de poder e o respeito e desrespeito que vim a receber durante o novo embate.
Viúva, com uma filha adolescente, e uma experiência nova, grave mas amadurecedora, desde a morte de minha sogra, em 1991. Fruto amargo da cobiça, palavra que vim à reconhecer a partir da morte dela.
Pessoas chegadas querendo tomar conta do patrimônio deixado por ela.  Aves de rapina, ao ponto de Vicente ter sido sequestrado pela empregada da nossa casa, enquanto eu estava no alto paraíso fazendo meditações e trabalhos de autoconhecimento com o meu tarô.  

Pessoas chegadas querendo tomar conta do patrimônio deixado por ela.  Aves de rapina, ao ponto de Vicente ter sido sequestrado pela empregada da nossa casa, enquanto eu estava no alto paraíso fazendo meditações e trabalhos de autoconhecimento com o meu tarô.  
O marido desta empregada, um policial militar, um advogado de porta de cadeia e um taxista, conhecido deles participaram do sequestro.
Sozinha, sem pedir ajuda à família do meu marido enfrentei por dois meses o pesado fardo desse fato: Um sequestro, que durou cerca de 60 dias. 
Eu podia falar com meu marido através do telefone, uma vez, já que o meu entendimento com a empregada, que tomava conta dele, era amistoso. Além disso meu marido tomava medicamentos administrados por médicos, precisava de cuidados. 
À distância, eu lhe salvava a vida em cativeiro e ajudava os sequestradores a mantê-lo intacto em suas mãos. Intacto? Ninguém fica intacto numa situação assim.
Eles tratavam bem dele, apostando  num futuro próximo, investiram em comprar milhões de coca-colas ligth para agradá-lo. O problema com os bandidos é que eles sempre contam com a vitória antes do tempo. Só que na minha vida eu nunca perdi. Sou louquinha, mas não sou burra!
Um dia sugeri a Vicente que pedisse ao taxista para trazê-lo até a farmácia de nossa casa, para ver a possibilidade dele conseguir umas lentes parecidas com as que perdera.
Bolei um plano. Como não havia escuta na casa, aproveitei e expliquei todos os passos a meu marido. 
O taxista o levou à farmácia, onde ele também iria tomar seu remédio estabilizante, medicação que havia terminado e só naquela farmácia seria possível adquirí-lo sem receita.
Conheciamos o farmacêutico, ele iria conseguir a medicação sem a receita. O estabelecimento ficava na esquina, bem próximo ao edifício onde morávamos. 
Enquanto o táxi estacionava, Vicente desceu às pressas, como se tivesse urgência nas lentes e na medicação. Isso aturdiu o motorista, desorientou-o. Em vez de entrar na farmácia, Vicente correu na direção do nosso prédio e entrou em casa tão rapidamente que o sequestrador mal teve tempo de reagir.
Nessa ocasião os sequestradores, através de artimanhas do advogado, haviam conseguido pedir o leilão da terra. Só que o juiz de São Borja negou o pedido pela simples razão de que existia um testamento de minha sogra.
Disso ninguém tinha conhecimento. E apesar de eu não ter sido beneficiada, o tal testamento nos deu grande felicidade. Protegeu-nos das falcatruas que – pois se não houvesse este documento – seriam fatalmente cometidas, mais cedo ou mais tarde. Éramos alvo em potencial, e a existência do testamento nos salvava.
Quando o homem do taxi bateu à porta para chamar o Vicente numa tentativa de levá-lo de novo, abri a porta mandei-o entrar na sala e sentar-se.
Encarei-o e disse:
Deixei ele pensando alguns momentos e disse:
A família do meu marido já sabe, não esqueçam que tenho costas quentes. Sumam antes que vá todo mundo preso.
Isto não era verdade, “as costas quentes que tinha” era só um calorzinho próprio.
Algo novo se abria para mim. Um detalhe, uma palavra. Eu teria que aprender o que significava vocábulos  como testamento e inventário.
Dentro do ônibus, sem tempo para chegar sentia sem perceber claramente, que aquele veículo e aquela viagem me levariam a abrir mais uma janela da palavra coragem.



- Moço, você e sua quadrilha sequestraram a pessoa errada, a única que tem terra aqui sou eu, que tenho uma terra que era herança do pai do Vicente, cuja parte dele, ele vendeu. 
A herança da mãe dele está em testamento.

- Se não entendeu, vou te dizer uma coisa que vais entender: Sei bem o nome de vocês, onde moram e o que fazem, vou lhe mostrar a porta da rua, saia e avise  para o aprendiz de advogado que traga o inventário que  tirou do fórum, aliás, que uma advogada tirou, pois ele não tinha diploma naquela época.






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2 comentários:

    Marta Schönfeld disse...

    Guita Braude MARTINHA NAO SEI TUA HISTORIA DE VIDA DE CASADA, MAS LENDO ESSE TRECHO DELA, FIQUEI SURPRESA COM O TEU RELATO E COM ESSA TREMENDA E TERRIVEL SITUACAO E LAMENTAVELMENTE SOZINHA TER QUE AFRONTAR AS DIFICULDADES PROVOCADAS POR DELINQUENTES.DE TODA A HISTORIA A PARTE TRISTE FOI O SOFRIMENTO DO TEU ESPOSO QUE LAMENTAVELMENTE SE FOI E DOI MUITO MAIS QUANDO E UMA BONISSIMA.CHEGUEI A CONCLUSAO DE QUE ES UMA PESSOA FORTE COM GARRA QUE SOUBE EQUILIBRAR-SE, PARABENS PELA TUA CORAGEM E A SORTE QUE FOI DE GRANDE AJUDA PARA TI.ALGUMAS PESSOAS COMO TU TAMBEM TEM HISTORIAS DE VIDA DRAMATICAS, A VIDA NEM SEMPRE E JUSTA.MARTINHA TODA A MINHA ADMIRACAO COMO ESCRITORA E COMO SER HUMANO UM BEIJO ENORME NO TEU CORACAO, EXTENSIVO A TUA FILHINHA E A TUA NETINHA

  1. ... on 1 de maio de 2013 às 13:37  
  2. Marta Schönfeld disse...

    Guita Braude MARTINHA,SO QUEM TEM SENSIBILIDADE E AFINIDADE, PODE COMPARTILHAR A FELICIDADE OU UMA TRAGEDIA DE QUEM LHE E MUITO QUERIDO E PREZADO! BJS. QUERIDA MINHA TUA HISTORIA ME COMOVEU!
    há 5 horas através de telemóvel · Não gosto · 1

  3. ... on 1 de maio de 2013 às 19:34