Ao som de Mozart, entrei no palco do Theatro São Pedro.
Eu e mais quatro bailarinazinhas vestindo toutous cor de rosa, florezinhas nos cabelos, pousando com leveza segundo a marcação da professora de dança.
Prontas para começar, olho aquele início e... que começo é este mesmo?
Por anos, seguidamente, colho aquele momento como quem colhe um buquê de flores.
Palco fechado, muito antigo e pesado. Não sabia direito o que estava fazendo ali. A professora ensinava nas intermináveis aulas de dança a caminhar com leveza, sempre com movimentos nobres: plié jaités e outros que não me lembro.
Subitamente, passa por mim o fantasma da ópera atrás de sua amada. Sinto o peso daquele palco com tantas óperas e peças de teatro que formulavam tragédias e histórias de amores perdidos.
Enquanto esperava abrir o pano, pensava: domingo, como é de costume, junto com meu irmão Jorge e meu avô, vamos assistir no anfiteatro, músicas clássicas, árias e performances. Cada um com um pacotinho de bombons da Kopenhagen.
Escuto também um homem num monólogo dizendo "Ser ou não ser / eis a questão".
Logo agora vem este homem me botar a pensar! Meu Deus! Isto sim é que era difícil de entender. Como ser e não ser ao mesmo tempo? Isso ainda vou demorar a entender.
Três vezes toca o sinal empurrando suavemente para a hora do começo do espetáculo. Nós as cinco pequenas bailarinas ficamos em posição para começar a dança. Todos desejam o seu início. Os camarotes e as cadeiras centrais lotados. O pano pesado, cheio de guirlandas, começa levemente a se abrir. Senti, naquele momento, que era a primeira coisa importante que eu fazia na vida.
Aos poucos, a plateia se descortina diante de nossos olhos brilhantes de expectativa e uma nova luz se acende. Deslumbrada com a grandiosidade do espetáculo, ao invés de proporcioná-lo ao público, começo, encantada a assistir. Imagino meu pai feliz em me ver ali.
Durante toda a música, feito estátua esculpida de carne, não saio do lugar -
enquanto isso, tocando Mozart, minhas amigas dançam, dançam, dançam.
De toda aquela fase de delicadezas, na infância e seu imaginário, brotavam fantasmas. E eles me esperavam, escondidos naquele número de ópera. Agarrei-me à visão de meu pai, aficionado por Mozart. Pedia a ele, em pensamento: “pai, ensina-me a coragem de amar”.
A plateia me fez lembrar a música (“Que será, será”). Porém, quando me dei conta, a apresentação tinha terminado.
As bailarinazinhas, em corrente me salvaram, corriam pelo palco, até me alcançarem.
Passei então a fazer parte do número e de mãos dadas com quem de fato tinha dançado.
Ali aprendi o espetáculo da amizade, esta arte rara e cara – o afeto.
2 comentários:
Marta Schönfeld disse...
Jane Elisabeth Cardoso Lindo texto acompanhado com belíssima música!!!!! Adoro Mozart!!!!!
Marta Schönfeld disse...
Guita Braude MAIS UMA ETAPA DA TUA VIDA NESSA BELEZA DE CRONICA, QUERIDA AMIGA.E EU LEMBRO BEM ASSIM AS APRESENTACOES,O PUBLICO INIBIA O TEATRO A SITUACAO QUANDO SE E PEQUENA, UM MUNDO DIFERENTE E BELO AO MESMO TEMPO.MARTINHA, ADOREI O RELATO ME SENTI DENTRO DO TEATRO SAO PEDRO, COMO UMA BAILARINA.BJS. A TI E AO JORGE TAMBEM!
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