A verdadeira partida é a volta. Esta conclusão eu atingiria muitos anos mais tarde. Antes, tinha de atravessar a infância, a adolescência, a juventude – e chegar aquele momento, 1972, de ter de me encontrar (perdendo-me antes para isso, afogamento indispensável).

Retomemos a infância.

O primeiro tapa na bunda que levei foi do meu avô russo. O motivo de sua reação intempestiva? O fato de eu ter dado a volta na quadra da rua Esperança, sozinha.

Homem rústico, bonito, 1,90m, cabelos cor de trigo e olhos verdes. Decidido.
Aí fui eu quem decidiu. Só quem podia me dar um tapa eram meus pais, que, aliás, nunca me deram um.

Foi o que eu lhe disse. O primeiro foi o último. Não consegui gostar mais dele, embora em segredo eu o admirava pois, ele era meio mafioso. Porém quem era aquele homem para me tirar a liberdade? Ai meu coração bandido!

Minha mãe, gostava de me traduzir as óperas pelas quais se encantava. (Seu coração parecia bater: Caruso, Caruso, Caruso!) Eu a acompanhava na emoção. Chorava muito: eram histórias de amor muito trágicas.

Com meu avô paterno assistia orquestras atrás do Teatro São Pedro,onde tinha uma uma espécie de arena ao ar livre.

Aos sábados íamos nos encontrar com ele na porta do Cinema Vitória para a sessão da tarde. Geralmente ele nos esperava com dois pacotes de chocolate da Kopenhagen, loja tradicional da Rua da Praia.

Depois do filme, atravessávamos a Borges de Medeiros e ele nos comprava todos os gibis que desejássemos. Depois, para arrematar, Spaghettilândia, ao lado do cinema.

Dizer o quanto era bom é impossível. Basta lembrar. A memória é toda a confirmação da inenarrável delícia daqueles momentos.

Na verdade, fui criada como uma verdadeira princesa. Minha mãe era uma espécie de Sheerazade, contadora de histórias e também fazia isso por capítulos. Eu descobri o fascínio e o enigma prazeroso do folhetim. E como ela possuía um senso de humor muito aguçado, às vezes contava alguma história tragicômica que me fazia ir das gargalhadas ao pranto.

Também eu já tinha percebido que minha mãe possuía uma enorme facilidade com línguas. Começara a escutar óperas. Carmem de Bizet ou Madame Butterfly de Puccini, além de apaixonar-se pelos tenores da época. Enquanto escutava aquele teatro musicado minha mãe chorava e contava com requintes de teatro – a trama para mim.

Enfim, vivi entre Beethoven e o Haraquiri.

Hoje se me convidam para assistir uma ópera, muito obrigada, estou fora!

Traumatizei...




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1 comentários:

    renata lehmann disse...

    oi Marta! retomei a minha com teu relato. Nos ví na Sibra, nos aniversários. Lembrei dos teus pais, teu avô paterno, tu e teu irmão. Gostei mto desse teu post. Entrar na tua vida tem sido muito gostoso! bjs

  1. ... on 24 de maio de 2013 às 11:08