O Jango eu não conheci, mas conhecia a família dele. Então, posso falar que ele era um ser exuberante (no sentido de prestativo, disposto, fiel aos amigos e às ideias que abraçava) e, pensando assim, dá para concluir: muito boa pessoa.
Afilhado político do coronel Getúlio Vargas, filho do coronel Vicente Goulart e Vicentina Marques Goulart, criou-se nas cocheiras e também nas coxias políticas. Aonde o presidente Vargas ia, levava seu afilhado junto.


Para mim, Jango foi um homem essencialmente humanista. Olhava para o povo politicamente, como olhava o gado no campo, cuidadoso, esperançoso, tendo um pedaço da terra para pastar.


Assim, foi o primeiro Presidente a estudar uma reforma agrária para que todos tivessem seu quinhão. Ajudou a fazer com Vargas o salário mínimo. Realizou o 13o salário, proporcionando, desta forma, uma mesa farta no Natal para a população inteira.

Taxavam-no de “comunista”, e realizaram o Golpe por pura sede de poder, e também porque, na verdade, aqueles brasileiros golpistas namoravam a soberania norte-americana. (Acho que eram gays...)


Começo do meu casamento

Atravessando um mar de campo verde, chegamos na fazenda do Brizola. Íamos visitar a Nereida e o Zé, e no meio daquela rusticidade sobrava uma enérgica, saudável sabedoria, não só do Brizola mas de todos que ali chegavam – aquele ar de político exilado, que numa rara simplicidade exalava conhecimento profundo do legítimo poder. Foi um novo ar, renovado, que comecei a respirar, uma atmosfera poderosa da qual comecei a fazer parte.

A Nereida, minha sócia na Be In em 1970, era filha de Alfredo Ribeiro Daudt, que também foi exilado político, no Rio Grande do Sul. Ela passou por um crescimento no exílio junto com os Tupamaros. Sua mãe, Dona Dóris Hartz Daudt, em vista também do perigo de Nereida ser perseguida pelo governo uruguaio, teve que mandá-la mocinha para Newport, nos EUA, onde seu irmão, que era brigadeiro, fazia um estágio levado pela profissão.

Mais tarde, nós duas já casadas, ela então mãe de gêmeos e eu começando minha vida com o primo-irmão do marido dela – José Vicente Goulart Brizola, íamos para a cozinha. Lembro que um dia assamos uma carne no forno com um vinho... hebreu!
Na hora das refeições, botávamos o papo em dia. Papo em essência muitas vezes eram de veio político, de onde cada um extraía uma informação importante para si, informação para ser filtrada e entendermos, afinal, para que lado estava soprando o vento e se ele nos eram favoráveis.

Éramos como uma sociedade secreta, na qual começava a ser formulada uma volta do exílio: eu, de Paris, e eles, do Uruguai, da Argentina e do Paraguai, de onde também voltavam os uruguaios Tupamaros ( perseguidos por seu governo).

Uma das fazendas em que nos reunimos durante alguns anos foi a El Milagro. Ficava perto de Maldonado e a seis quilômetros de Punta del Este. Tinha sido também a última morada de Jango. Possuíam duas casas – uma moderna, confortável, arejada, com piscina, e a outra... bem... era tudo o que nós, os rebeldes, merecíamos. A propriedade devia ter uns 200 anos. Daquelas de arquitetura colonial espanhola. Acho que as paredes tinham uns 40 centímetros de espessura.

Ali tinha história. Os móveis eram pesados, e na sala da entrada (de frente para a porta), onde era o escritório (há pouco tempo tinha sido escritório do próprio Jango, há uns dois anos), uma mesa grande servia de rústica escrivaninha. Ao lado, um enorme cofre antigo que, quando aberto por João Vicente, caíam riquezas, dólares, relógios de ouro, rolex com diamantes, etc., etc., etc.

Os nossos encontros terminavam com informações sobre as esferas do poder, com trocas de fatos compartilhados por todos, debatidos, sofridos, a alimentar nossa esperança ou a aumentar nosso temor – tudo que historicamente estava acontecendo no continente latino-americano.

Essas uniões maçônicas nas fazendas do Jango e do Brizola, ou em São Borja, acabavam sempre em conteúdos políticos em quantidade e aprofundados; buscávamos ficar a par do que estava por trás dos bastidores, principalmente no chamado Cone Sul.

Numa dessas reuniões, no início dos anos 1980, o Vicente (meu falecido marido) contou-nos que a tia Neuza reuniu as irmãs na fazenda do Uruguai, e que ela estava muito preocupada com o que poderia acontecer com o Brizola, já que havia descoberto que andava em curso uma operação, continental, para matar grandes políticos. Operação Condor era o nome. E parece que fora exatamente essa operação que havia dado cabo do Jango. Internamente, desconfiava-se igualmente que o Juscelino e o Castelo Branco haviam também sido vítimas do mesmo movimento.

Tais encontros com pautas bem graves aconteciam junto com os Tupamaros, uruguaios parceiros do Jango – já falecido –, e agora continuavam com o João Vicente. Juntávamos o grupo, secretíssimo sempre, e ali acontecia o debate no meio das mulheres, das crianças, e de grandes cachorros de raça.

A sensação dentro destas casas é de que elas retinham aquele grande poder político: suas paredes ainda choravam a dor do exílio. Os móveis, os sofás de couro da sala da casa nova demonstravam a simplicidade do campo. O único destaque, que ficava ao lado de uma grande lareira, era um pedestal fechado com vidros, onde ficava a carta que Getúlio, antes de morrer, deixou para Jango.

Sua carta-testamento.




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