Rio de Janeiro, mês de março - Os turistas desafogavam a cidade, ficava uma delícia, com uma chuvinha e aquele calorzinho tropical...
Sempre que estava para aterrisar no Rio e o avião começava a descer, avistava a igreja de Nossa Senhora da Penha e via o Cristo de braços abertos, com Tom Jobim cantando:
"Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara..."
O Rio sempre foi uma cidade que me acolheu como se fosse o pátio da minha casa.
Nesse tempo não aconteciam tiroteios... Eles começaram nos anos 90, ou final dos 80. Prá minha sorte, ainda era início de 1977 .
A guria cantando pelas ruas de Londres na sua alegre caminhada sempre se acompanhou de música... Sempre fui meu próprio rádio!
"Hey baby, take walk on the wild side..."
Agora caminhando na Avenida Atlântica, com uma garôa vinda do mar, não estava menos feliz. Seu coração era de paz e amor e cada dia fazia sua felicidade renascer.
Tinha vindo de Belém do Pará onde fui passar o Carnaval, com a Fafá de Belém.Fiquei hospedada na casa de seus pais e de seu irmão Quinzinho.
Posso dizer que conheci bem esse pedaço da Amazônia. A cada dia descobria uma parte da cidade.
Dentre as maravilhas na vida que conheci, foi o mercado Ver o Peso.Ele é um mercado situado na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará, as margens da baía do Guarajá.
Construído em 1625, seu nome faz jus às chamadas Casas do Ver-o-Peso, projetadas no Brasil, em 1614, para conferir o peso exato das mercadorias e cobrar os respectivos impostos para a coroa portuguesa.
O mercado faz parte de um complexo arquitetônico e paisagístico que compreende uma área de 35 mil metros quadrados, com uma série de construções históricas.Acabei ficando lá mais de um mês. Passei uns dias num sítio cujo caseiro era um índio, aparecia e desaparecia com a velocidade de uma flecha. Tomava banhos de Igarapé
Voltemos à aterrissagem na Cidade Maravilhosa!
Chegando na Francisco Otaviano, rua de edifícios baixos entre Copacabana e Ipanema, onde todos se conheciam, a sensação era a de ser atraída por um imã.
Ao lado do edifício da Neusinha tinha uma banca de revistas, daquelas que tem até charuto pra pai de santo.
Na portaria perguntei por Trajano Ribeiro, marido da prima mais velha, Maria. O porteiro perguntou lá em cima, sim eu estava sendo esperada.
Ai que saudades que me dá daquele Rio antigo, que ainda respirava dignidade...
A menina carregava agora em sua bagagem um coração cheio de paz e amor.
Tinha se lançado no mundo e ao voltar teve que se adaptar, mas já iam quase quatro anos da sua chegada e já andava cansada realmente de subir e descer pelo Brasil.
Sempre aonde ia, não ficava só uma semana. Ficava um mês, dois, às vezes até três...
Na sua bagagem como falei, carregava meu próprio rádio, que as vezes até o disco encrencava.
Quando cheguei ao andar, a empregada me esperava na porta...
Ao entrar, percebi os muitos quadros dos melhores pintores da época adornando as paredes. Que grata surpresa!
A empregada me avisou que o Vicente (Vivi) tinha descido para comprar jornal.
O Biloca que estudava no Rio e morava lá, apareceu na sala, me cumprimentou, conversamos um pouco e retirou-se para estudar.
Em seguida bateram na porta, era o Vivi.
O que me surpreendeu é que ele estava com uma cueca bordô, uma camisa social azul marinho e um mocassim chiquetésimo, meio estropiado... Porque ele tinha perdido sua lente na portaria do edifício e tinha tropeçado no caminho até à banca de revista.
Veio alegremente ao meu encontro com aquele olhar negro que parecia um veludo, brilhando sapeca ,como o olhar de um menino.
Sentei numa bergerère e ele num cadeirão do outro lado da mesa de centro.
Quando ele sentou e cruzou as pernas vi um príncipe....
Acho que nosso encantamento foi imediato!
Ficamos algumas horas, falando de nossos amigos que vinham e iam pelo mundo afora...
Eu estava chegando de Belém, a Neusinha saída do Uruguai, foi até Mato Grosso e estava chegando de lá. O Vicente de Londres. A Maria e o Trajano de Búzios, enfim, todos nós girávamos pra lá e pra cá, sem medo de ser feliz!
Senti uma sensação de cumplicidade naquela sala, não sei explicar, um mixto de felicidade com compromisso
Parece que o nosso encontro, naquele momento, foi por conta de uma força do destino!
Ou o próprio Karma.
O karma não quer dizer coisas ruins...
O karma quer dizer tudo o que tem que acontecer de bom ou de mau.
E já falo do dharma.
O dharma é o que vamos buscar dentro de tudo que acontece.
Podemos buscar alegria, tristeza, rancor, mas você pode fazer uma festa constante, celebrando a vida!
Foi isso o que fizemos no momento em que nos vimos...
No fundo sabíamos que o karma era pesado, não só prá nós, prá todo mundo, então porque não brincar, rir, enquanto ele estava acontecendo?
Ao nos olharmos, pareceu que abraçávamos a nossa alma gêmea
O amor que carregávamos era incondicional pela vida...
Vimos a estrelinha brilhar no outro.
Já estávamos mancomunados para toda a vida!
Conversávamos, quando chegou a Neusinha com sua Negra, “sua mala sem alça”. Muito agitada nos falou que queria ir para o Posto 6, pois lá na esquina da praia tinha um restaurante o Lucas.
Já estávamos em cinco: o Biloca, a Baia, eu, o Vicente e a Preta, prontos para eclodir!
O Vicente e eu fomos para o restaurante e sentamos na rua e ali ficamos...
Bebemos nosso primeiro copo de caipirinha juntos.
Falamos, falamos...
Contei como era minha vida, ele contou como era a dele ...
A Neusinha com sua amiga,ficavam num ir e vir ...
Na verdade não sabia como é que era o Vicente Goulart, eu conhecia mais os Brizola.
Não liguei muito esse outro lado da família aos acontecimentos históricos e políticos do país. A Neusinha sim, mas ele não ...
Um enxergou o coração do outro..
Falamos de nossas vidas, de nossas esperanças e desesperanças, quando na segunda caipirinha ele pegou minhas mãos, me olhou e disse:
- Queres casar comigo?
- Estás louco! Tu tens 22 anos e eu tenho 29!
- Sou louco prá casar contigo e tu não és louca pra casar comigo?
- Sou!
3 comentários:
Marta Schönfeld disse...
Paulo Bentancur comentou sua mensagem no mural:
"Precisamos retomar! A dupla que fazemos dá um dueto que contamina com vibrações expressivas os teus textos. Eu também choro de saudades, e da falta das tuas mirabolantes andanças, da tua vida que vale por mais de uma biografia. Beijocas."
alcides sanvicente disse...
Marta...
Adorei a historia. Barbaro, fui junto na viagem.
Tava em Buzios nessa epoca, lembro muito bem dos acontecimentos. Muito bom. Parabens.
Alias...que saudade.
alcides disse...
Tu tem de contar nossa viagem pra Punta.
Desde o aereoporto em porto algre...tem ate um filme.