Meus pensamentos estavam voltados à entrega daquele momento.
O Brasil me encantava cada vez mais desde que voltei da Europa.
Quando eu imaginaria que algo sério estava para acontecer em minha vida?
Sempre fui festeira, nunca dei importância ao que pensavam de mim.
Eu me perguntava toda vez que escutava um comentário estapafúrdio sobre mim:
" Essa gente peeeensa que pensa, por que será que elas, tão jovens ou tão velhas, não se ocupam?"
Infelizmente estava tão absorvida pela vida que não podia fazer nada por elas, a não ser oferecer a minha história e os meus malabarismos.
Certamente não podia me ocupar disso! Senão, não andaria.
Os dias no Rio, com a entrada do outono, estavam mais fresquinhos aumentando a minha disposição para continuar a minha caminhada.
Fizemos logo uma turminha inseparável. A Neuzinha que morava no Uruguai (seu pai ainda estava exilado), gostou tanto das pulseiras do Brasil, que contemplou com elas os dois braços de baixo até em cima.
O Vicente, a Neuzinha e os outros Goulart chegavam de vários lugares, voltando do exílio, o Brasil era uma novidade para eles!
Voltavam, cada um, com as suas doses de sofrimento por tudo aquilo que passaram longe de sua terra, de suas raízes.
Vinham de lugares frios, sombrios, austeros, como o Uruguai e a Inglaterra. Com vinte e poucos anos, se reencontravam na cidade maravilhosa, num país tropical.
Pela primeira vez estava em contato com exilados da minha cultura mas diferentes daqueles que conheci em Vincénes, mais parecidos comigo, que nasci de um exílio de alemães e russos.
Estes exilados eram vítimas da ditadura que se instalara no Brasil. Os jovens da família Goulart devido ao exílio tornaram-se nômades e muito unidos
Fizeram da Europa o seu pátio. Não tinham liberdade para vir ao Brasil, mas o resto do mundo era sem fronteiras para eles.
Sentia uma irmandade, uma empatia com o Vicente e seus primos, meus novos amigos, era como se os conhecesse desde sempre!
À noite iríamos ao Dancing and Days ver as Frenéticas. Aquele Dancing, onde todo mundo era colorido, que trazia exilados, como Gil e Caetano, o berço da fantasia e da riqueza dos anos 70, fazendo sempre com os dedos o "V" de vitória para dizer hello.
Oba! Mais uma noite de sonhos!
Ver novamente a energia da liberdade como cantavam as Frenéticas, que cada vez que diziam "Abra as suas asas", era como começar um novo vôo
Todos interagiam com a mesma energia de liberdade e de simplicidade, pois estas vinham somente de duas palavras: paz e amor.
O baixo Leblom estava começando a ficar conhecido, lá durante muitos anos foi lugar de encontros e desencontros, íamos jantar depois das festas e era outra festa!
Chegando na casa da prima Maria, onde estavam hospedados Vicente e Neusinha, logo vi que seria difícil sair.
A Neusinha tinha ido até a praia com sua amiga uruguaia, a Negra. O Vicente tinha perdido sua única lente de contato e não enxergava sem ela, porque tinha não sei quantos milhões de graus.
Ali, comecei o meu curso de como “caçar” uma lente até numa pista de dança!
Falava prá ele: - Não te mexe! Mandrake! Estátua!
E no espaço em volta dele passava o dedo rapidamente e encontrava a sua lente!
A Neusinha, por sua vez, me fazia sentir um frenesi pela sua ousadia e isto me encantava.
Depois de meia hora de prá lá e prá cá, conseguimos montar a turma para dançar.
Ao retornar da Europa começou a minha entrega para um mundo cheio de sol, mar e música: a Tropicália.
A novidade no Brasil eram os Secos e Molhados, maravilhosos, pois me mostraram qual o caminho a seguir naquele momento, eles foram para mim a própria Rosa de Hiroxima.
Meus olhos para o mundo, no fundo sempre foram de observadora, jamais julguei ninguém.
Sempre ouvi a voz do meu coração, qualquer que fosse o risco e aprendi a duras penas, a condição de simplicidade, mesmo que me custasse nada menos que tudo.
Mas então, vamos lá? Vamos soltar as nossas feras?
1 comentários:
Anônimo disse...
Que delicia que esta este post... Novos ares, novas histórias... Amando cada vez mais a tua história e como a escreves. Te amo