Neuza Goulart Brizola uma prima Jango e Tarcila Goulart do Valle (minha sogra)



Os ventos negros do golpe militar começaram a soprar contra as famílias Goulart, do Valle e Brizola em uma noite de 1963.

Principalmente depois do comício mais importante, que ocorreu a 13 de março de 1964, em frente ao Edifício Central do Brasil, sede da Estrada de Ferro Central do Brasil.
O Comício da Central, como ficou conhecido, reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo sindicatos, associações de servidores públicos e estudantes.

Os discursos pregavam o fim da política conciliadora do presidente com apoio de setores conservadores que, naquele momento, bloqueavam as reformas no Congresso.

O presidente, em seu discurso, anunciou uma série de medidas, que estavam no embrião das reformas de base. Defendeu a reforma da Constituição para ampliar o direito de voto a analfabetos e militares de baixa patente e criticou seus opositores que, segundo ele, sob a máscara de democratas, estariam a serviço de grandes companhias internacionais e contra o povo e as reformas de base.


Goulart anunciou que tinha assinado um decreto encampando as refinarias de petróleo privadas e outro desapropriando terras às margens de ferrovias e rodovias federais.

A oposição acusava o presidente de desrespeito à ordem constitucional, pois o Congresso não havia aprovado a proposta do governo de alteração na forma de pagamento das indenizações aos proprietários. Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, disse que o presidente era um “subversivo”.

Jango foi o primeiro presidente a estudar uma reforma agrária. Segundo minha sogra Tarcila, uma das intenções dele era repartir as terras: duzentos metros quadrados ao longo das rodovias onde existiam fazendas.

A deposição de seu governo estava a caminho. E chegaria duas semanas e meia mais tarde.


No dia 31 de março, Jango ligava para seu cunhado João Luiz Moura Valle, e também para sua irmã Tarcila Goulart do Valle, pedindo que eles fizessem um almoço para os ministros do Egito, pois andava muito atarefado. Solicitava que eles fizessem isso no seu magnífico sítio em Jacarepaguá, até mesmo para que a família se estendesse - em nome da segurança - pelo final de semana.

A família contava, além do casal, com uma babá alemã (Adelina) e os dois filhos, os meninos José Henrique (Ike) e Vicente Luiz, respectivamente de cinco e oito anos de idade.

O dia foi muito agradável, já que Tarcila sabia receber como ninguém, com suas toalhas de linho e seus talheres de ouro português.

As crianças corriam nos pátios com esculturas de deusas espalhadas ao longo do sítio. Aquedutos, e lugares para preparar um bom churrasco naquele cantinho de paraíso dentro de um pedaço da Mata Atlântica.

A casa era de grandes pedras cinzas. Na frente em arco, um portal que escondia um avarandado a se estender por toda a volta da casa. Heras também caíam pelas janelas e pelo avarandado deixando, junto com as árvores que circundavam a casa, tudo muito sombrio.

Completando a exuberância do cenário, pássaros tropicais em sua infinidade de espécimes. E um verde tão intenso como luminoso. Frutas exóticas caíam às pencas. Isso sem contar a presença, sempre impressionante, do jequitibá, árvore símbolo da Mata Atlântica.

O sol ameaçava se pôr. Avançava a noite que calaria o Brasil.

Minha terra, com tantas palmeiras, mas onde o sabiá não cantaria mais.

Depois de um jantar frugal, a família e as crianças se recolheram aos seus aposentos para dormir.
De madrugada, Adelina acorda ao som de metralhadoras.

As crianças foram arrancadas dos seus doces sonhos, que acabaram tornando-se pesadelos para o resto de suas vidas.

Lá fora começaram a metralhar a casa. A família não tinha noção do que de fato estava acontecendo.

Só escutavam o som das metralhadoras, sem parar.
Resolveram esconder-se embaixo da cama, para se resguardar das balas dos fuzis.

Amanheceu... e o clã familiar não dormiu nunca mais o sono dos justos. Aquele fantasma os acompanhou para o resto de suas vidas.
Quem era o alvo, João Luiz Moura Valle, redator político e articulista do Jango?

Não. Todos nós.











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6 comentários:

    Anônimo disse...

    Prezada Marta, tu, que és uma viajante, pelo espaço (de Paris a São Borja) e pelo tempo (das décadas de 50 até... quando?), poderias nos localizar sobre quem são essas pessoas ao lado do Jango, da esquerda para a direita? Põe uma legendinha abaixo daquela primeira foto, por favor... Afinal, foste uma testemunha privilegiada (e merecedora), e nós, bem, nós tivemos a sorte de descobrir teu blog, que sustenta para a nossa memória antes pobre a riqueza enorme do que tens para recordar e contar.

    Grande abraço.

    Luciano Procópio Vieira (Santa Maria, RS)

  1. ... on 12 de novembro de 2009 às 00:42  
  2. Marta Schönfeld disse...

    Prezado amigo Luciano!
    Meu professor a primeira coisa que me ensinou foi fazer um cronograma do tempo que eu iria contar a minha história. Eu fiz isto. Tu também me perguntas por ele.
    Como sou uma pessoa rebelde, a minha inspiração também é.Impossível contar um tempo que já passou.Acho que toda a história está interligada.
    Nada é por acaso. Portanto aguentem um pouco esta louquinha que apenas tenta narrar o que se passou comigo.
    Grande abraço!

  3. ... on 12 de novembro de 2009 às 10:57  
  4. Anônimo disse...

    Marta!!,teus textos estão barbaros!!,to adorando!..beijo grande querida
    Guina

  5. ... on 19 de novembro de 2009 às 13:22  
  6. Marta Schönfeld disse...

    Suzete Borges disse...
    Marta !!! Teu blog é minha atual curtição !!! Sobretudo lembra muito a amiga linda que tu és ! Estou a considerá-lo como mais um presente teu. Je t'embrasse

  7. ... on 22 de outubro de 2010 às 11:02  
  8. Marta Schönfeld disse...

    Joao Luiz Leite Palmeiro Minha querida ,amada e admirada amiga! Com todo o meu respeito e carinho que tenho por ti a anos, sou obrigado a te contestar ,pois sou filho de um militar aviador que já estava na reserva e amigo pessoal de infância do Presidente Joao Gulart . A grande realidade e que nunca existiu "Golpe Militar" ,o que de fato houve e até hoje e mal contado e interpretado foi o fato dos militares terem dado sim um "Contra Golpe Militar" ou seja nos livrando na época desta turma vermelha que anda e faz o que quer com o nosso dinheiro e a nossa nação hoje!! Sinto muito ,mas está e a realidade!!!!!
    há 9 horas · Gosto · 1

    Martha Macedo COM VONTADE DE LER TEU LIVRO , tu que conviveste e foste da Familia deves estar à par de muito do que aconteçeu á época !!!! bjs !!!
    há 9 horas · Não gosto · 3

    Alfredo Daudt Parabéns pelo seu trabalho. É sabido que ao contar a história das famílias, como a sua, chegamos mais próximos de como as coisas se passaram, realmente. Reconstituímos para registro os papeis de cada um na época em que viveram.. Assim é minha estimada amiga.
    há 8 horas · Não gosto · 2

    Julio Wohlgemuth Totalmente apoiado, Marta Schonfeld!!
    há 7 horas · Não gosto · 1

    Marta Schonfeld Julio fico honrada com teu comentário tjá que és cineasta da história do Brasil! Thanks
    há 38 minutos · Gosto

    Marta Schonfeld Joao Luiz Leite Palmeiro amigo querido, os militares fizeram uma monstruosidade contra o povo brasileiro, tiraram totalmente nossa liberdade de expressão deixando a nossa geração marginalisada de toda a verdade que ocorria, com a imprensa marrom. Detonaram nosso ensino e cultura,se hoje temos estes bandidos foi graças a eles. Ignorância gera ignorância!

  9. ... on 5 de junho de 2014 às 21:56  
  10. Marta Schönfeld disse...

    há alguns segundos
    Alfredo Daudt disse...
    Vc está demonstrando coragem, dignidade e justiça ao divulgar e defender a história de sua família no Face.

    Felizes daqueles que podem contar sua história sem dever nada além da verdade
    B Dinho que bom tu escreveres isto pra tua velha amiga! Fico muito feliz já que és filho de um exilado e tua família sofreu na pele este golpe!

  11. ... on 6 de junho de 2014 às 11:38