Pequena pausa para um autoretrato





















Como eu era festeira!

Contabilizando, minha mais que amiga, (parceira mesmo), Nereida Daudt e eu, resolvemos ser também, mulheres de negócios e com iniciativas inéditas! Estávamos bem no começo dos anos quando abrimos a Be-in, “estar por dentro”, uma loja de confecção de "bípedes" (calças), para homens e mulheres.

Alugamos a frente de uma casinha, na Quintino Bocaiúva. Atrás desta, o pai da Nereida tinha uma representação de livros. Ele recém vindo do exílio ainda teria que enfrentar um julgamento, voltou muito antes da Anistia.

Foi o primeiro contato que tive com um exilado.


Acompanhei a Nereida no seu julgamento. A minha curiosidade tinha um misto de desafio à sociedade, um pouco de medo dos militares e claro, de aventura.

Eu entendia do Golpe Militar, muito pouco. Sabia que meus melhores professores foram banidos do Julinho, o ensino não oferecia mais nada de bom e me desinteressei por ele.

Meus melhores amigos do Conselho do Júlio tiveram que parar com a política. Portanto, alguns desapareceram, outros foram para o campo, outros tiveram que calar seus ideais.

A minha sincera amizade com a Nereida, me levou a entender o Golpe de 64. Tive esta possibilidade, por não tomar partido em nada. Como iria me conhecer, se não conhecesse o outro lado da vida?

Uma página feia da nossa história, que massacrou famílias como

a Goulart, Brizola e outras, tirando também, do cenário da cultura, jovens e pessoas mais ilustradas. Fomos tolhidos do conhecimento, nós, jovens tão promissores.

Com o seu Alfredo conheci Che Guevera e outros vários escritores que ele gostava, me passava os seus livros. Saía de sua casa sempre com um livro escondido. A sensação maravilhosa que eu tinha, era a de que, a qualquer momento, os militares iriam me pegar.

" Hay que endurecerse pero jamás perder la ternura"

Este jogo de esconde-esconde é que não me deixou ficar alienada.

Comecei a me questionar sobre o governo dos militares, que tudo proibiam: músicas, cantores, livros e imprensa.

Senti que a única liberdade que tinha, era a dos meus pensamentos. Idéias que não podia externar, pois entre nós jovens, existiam "alcaguetes", que chegavam a denunciar uma faculdade inteira. Os mais intelectuais tinham, em geral, idéias Comunistas seguidores de Karl Max.

Comecei a olhar para o céu, já que tinha tido no Clássico, os melhores professores de geografia e história. Sonhava nas aulas, estudando a formação do nosso sistema solar, das galáxias, das estrelas, já me postando no horário que o primeiro satélite passava.

Filosofia era outra matéria que amava, sonhava nas teorias de Aristóteles e Platão. Com eles também aprendi a querer saber a causa primeira de todas as coisas.

Viajava na primeira classe do conhecimento; se não o tinha onde estava, já existia dentro de mim. Aprendi o significado da palavra "transcender" com a filosofia, a história e a geografia, que também, ensinaram a me tranportar às estrelas.

Na época,ia também a todos os Natais na minha mais que amiga também Kitty Kroeff. Entrei em contato com a religião católica, iniciando assim a primeira confusão religiosa.

Descobri que a religião católica a tudo perdoa. Como eu sempre tive problemas de manchar a minha reputação, e não sou de ferro, achei muito fácil, pra que sofrer???

O único problema, é que eu não sabia rezar do jeito católico e nunca aprendi.Talvez dentro de mim o mantra estivesse correto.


Não existiam celulares nem "orelhões", a comunicação com os pais era mais difícil. Perto da minha casa tinha um posto de gasolina, onde eu podia telefonar quando quisesse. No escritório do posto, pendurados, tinham "pin-ups" e recortes de jornais.

Com quem? - Com a Martinha de biquíni!
Na revista O Globo, na Manchete, também. Somava o título de Rainha das piscinas, uma espécie de garota verão.

















Eu e eu...

Desafio entre o nada e o tudo;

Tinha pretendentes que, na verdade, me deixavam muito lisonjeada mas, jamais interessada. Na turma do Júlio de Castilhos, por exemplo, tinha fã clube, na praia também, sem contar os pretendentes que, às vezes, encontrava fazendo plantão na frente do meu edifício.


Aquela "corte", no fundo, fazia parte do meu show.

Porém, como tudo na vida e, principalmente o sucesso, tem o lado bom e o mau. Como ser totalmente feliz, se te vêem só como um corpo que, aliás, começou a me atrapalhar? Eu não tinha como não me perguntar: - que corpo tem o meu próprio sucesso?”.


Nosso querido Shakespeare começou a formigar, o que naturalmente queria dizer: “to be or not to be,that is the question”.
Deparei com minhas primeiras escolhas.

A consciência me tornou mais pensativa .

Aquela "menina", que sempre me acompanhou, tinha sede de saber, de entrar noite à dentro lendo. Eu queria sim, ler Aldous Huxley e todos os livros ícones da época. Mas também, desejava ler desde os clássicos portugueses, a poetas como Manuel Bandeira, brasileiros como Graciliano Ramos, com seus livros agrestes e nosso Érico Verissimo e seus épicos do sul. Sem falar em Jorge Amado e seu Capitães de Areia, e aquela tal Dona Flor, com dois maridos.

Queria entender a relação de  Simone de Bouvoir e seu marido Jean Paul Sartre. Entender o existencialismo, Karl Max.

Queria  entender de arte, mas para ser uma intelectual da época faltava muito.

Era muito sapeca!  Queria ao mesmo tempo, viver, dançar, tomar sol e cantar  um cantinho um violão e todas as musicas de uma nota só.

Falando em sede de saber, talvez eu ainda estivesse amando os encontros secretos com a minha "amiguinha", aquela dos cabelos loiros e encaracolados, que "não usaria perucas, nunca". Brincávamos, bebíamos do néctar da existência e espichávamos assim, as horas noturnas.


E eu, ainda, fumava! Pois queria mostrar que já era grande.

Sempre carreguei comigo a dualidade, da criança e da vida adulta.

Numa destas noites, inconformada com a minha realidade, entre um papo e outro, ouvindo a música "new age", Secret Garden, imitando as horas que escutava óperas com minha mãe.



Nesta noite lembrei-me da Sacerdotiza ela me dera uma chave dizendo para conhecer o planeta Júpiter o regente do meu signo Sagitário.

Falei prá "amiguinha" o que a Senhora pediu, pois precisava convencê-la a viajar comigo. Disse como ela era importante nesta viagem, pois ela era a hora que eu tinha nascido, meu ascendente.

Ela topou, entendendo que era para crescermos juntas.

Organizamos uma cesta repleta de especiarias para levar. Fomos pulando, de estrela em estrela, como de pedra em pedra num lago, o Universo, até chegarmos no maior planeta do Sistema Solar: Júpiter, onze vezes de diâmetro, o poderoso planeta dos milagres, da fartura e da expansão.

Encontramos em sua porta o guardião do astro, o Arqueiro- Centauro. Da cabeça à cintura, era homem; da cintura para baixo, cavalo. Mitologicamente está ligado a figura de Quiron, configura o poder da Igreja e do Estado. Poderes terrenos, é de natureza dupla e mutável.


Sagitário é o reino da fusão, da unificação, da síntese, é a totalidade do homem lançado à conquista da esfera espiritual, através da vitória sobre os própios instintos irracionais.

"O Centauro é o simbolo cósmico que expressa o homem completo e digno do divino."

Imponente em sua postura, leva nas mãos um arco e uma flecha apontando para o alvo: nós. Era preciso uma chave para entrar, para abrir o planeta, a chave que a Sacerdotisa tinha me dado e que levava comigo.

Perguntou nossa “senha", mostrei a chave, surpresa respondeu-nos: -“ senha": a palavra secreta era esta mesma: “senha”. Dissemos e ele abriu o gigantesco portão de Júpiter, para que pudéssemos, finalmente, entrar naquele reino mágico.


Caminhamos os primeiros passos e uma Unicórnio muito querida, juntou-se a nós olhou com muita doçura e disse: Este planeta, é da abundância, dos milagres. Sei que ao saírem daqui vocês vão ter resolvido um problema que há muitos séculos as encomoda.

Agora vocês estão cansadas da viagem, vou levá-las ao paraíso mais perto.

Amanhã é outro dia.


Quando acordei, estava na casa de meus pais, ouvindo uma canção de ninar, de Mozart, que meu pai tanto gostava, eu tinha três anos.

Será que vivi mesmo este tempo ao contrário?

Ou estava dentro de um caleidoscópio de muitas vidas?




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4 comentários:

    Anônimo disse...

    Marta mãe e amiga, amo tudo que escreves, tua riqueza está dentro de ti... Tuas histórias me envolvem e me deixam feliz... Te admiro muito, Sybil

  1. ... on 1 de março de 2010 às 07:25  
  2. clarice ge disse...

    garota, és uma caixinha de surpresas, adorável.
    carinhos pra ti

  3. ... on 2 de março de 2010 às 18:51  
  4. Graziana Fraga dos Santos disse...

    Andréa Amaral Marta, te admiro muito. Desde sempre estilosa e de um bom gosto apuradíssimo. Amo esta música e amei sua calça.

  5. ... on 21 de agosto de 2012 às 10:15  
  6. Beto Valle disse...

    Beto Valle lembro dessa calça, rerere... numa interminável conversa na frente de um bar que existia na Dr Timóteo, não lembro o nome , na época do Tratado de Tordesilhas ... carinhos mil, brima, teu blog é supimpa !

  7. ... on 21 de agosto de 2012 às 10:16