Eu estava com tanta vontade de reencontrar com a minha amiguinha, que quando me dei conta, estava mergulhada na minha infância, na minha pré adolecência, pocurando por ela.

Acho que eu estava perdida neste momento.




A casa de minha mãe estava em véspera do dia do jogo de bridge.
Era um jogo que ela fazia uma vez por mês para suas amigas.

Naquela sala, como já descrevi, com lustre de alabastro, sofás de gobelin com desenhos de medalhões, duas bergéres de couro, enfim, tinha uma certa nobresa, mas nada demais...

Morava eu com a minha família e meu a alemão, vovô Ludwig, em dois apartamentos no térreo de um edifício de três andares, numa zona tranquila.

Neste apartamento existiam duas salas, uma na ala do meu avô e a outra, dos meus pais.

Gostava de sentar na sala do meu avô, com alguns tapetes persas que ele trouxe da Alemanha, malas de couro daquelas "malas",e mais um baú em couro verde. com alguns quadros do seu primo russo Saly Smolyanoff, que retratava camponesas russas, mulheres gordas, com panos coloridos na cabeça, bem alegres.

Também tinha um quadrinho com moldura de madeira que dentro, alegremente entre flores, em um ambiente bem inglês, tinha uma velhinha sentada numa poltrona, que dizia com um ar de felicidade:

"Hoje eu faço 80 anos e estou muito feliz."


Eu convidava a Sofia, minha amiga do terceiro andar, que vivia de castigo, coitada, acho que porque o pai dela era militar.

Como morávamos no térreo, tínhamos pequenos pátios onde brincávamos por cordinhas, mandava pela corda bonecas, brinquedos, bilhetes informando Sofia sobre o dia da reunião.

Ali já bolávamos o que faríamos no tão esperado dia!

Programações!!!

Meu coração cantava de felicidade, pois a qualquer momento a minha amiguinha chegaria e teria uma festa pra nós brincarmos.

Admirava a minha mãe, ela era jovem, bonita, usava vestidos austeros, mas exalava sensualidade. Chamava a atenção quando entrava no seu Morris preto ( era uma das únicas mulheres que dirigia). As unhas compridas vermelhas, também pegavam um cigarro de quando em quando, já mostrando uma certa liberdade.


As amigas dela eram senhoras, muito bonitas, também, muito bem vestidas, com suas estolas de vison ou de raposa com um pingo de seus perfumes, Channel ou Guerlaim.



A nossa brincadeira era imitar as amigas de minha mãe.

Por sinal, aprendi com elas o princípio da sedução.

Elas tinham os cabelos arrumados à la Dorothy Lamour, com chapeuzinhos, boininhas, ainda com ar de segunda guerra.

Usavam brincos de pérolas ou de brilhante, solitários, tinham um bom anel no mindinho, o baton era bem vermelho, cor de carmim, a cor da moda.

Suas estolas de pele tinham um cheiro meio de mofado no começo da estação do inverno, aliás, de perfume mofado.

Falavam que deveríamos usar, a vida inteira, só um perfume, para quando chegássemos aos lugares, as pessoas soubessem pelo aroma quem tinha chegado.

Ainda não tinha me encontrado com minha amiga, mas a festinha estava armada, seria na sala do meu opa, "vovô", com meu irmão, a Sofia e a Estela Grespan, mais uma vizinha.

Pedi algumas moedas ao meu avô e fui comprar cigarro a granel numa venda que tinha perto da nossa casa.

Havia sempre alguns licores, algumas bebidas, só que nós adorávamos o Licor de ovo.

Credo!!!

Bem, a nossa festa estava praticamente montada. Como é bom véspera de festa.

Fui dormir louca pra acordar e novamente fazer todas estas brincadeiras.

Acordei, minha mãe havia saído.

No dia anterior havia perguntado a ela que vestido ela iria usar.

Ela me disse e eu dei uma olhada nos seus outros vestidos.

Fiquei satisfeita!

Fui até o seu guarda roupa, peguei seus melhores vestidos para as gurias e, para mim, como era a dona da casa, escolhi um quimono amarelo, com flores de cerejeira.

Não sei o que que eu pensei, mas achei que eu poderia me vestir de Madame Butterfly,
já que minha mãe, certamente, teria comprado aquele quimono para imitá-la.

A maior qualidade dela é que ela mudava, já era uma mutante. Gostava muito de se vestir também com um toque de Carmem de Bizet, com direito até a uma flor vermelha.

Com seus cabelos e olhos negros e com aqueles dentes tão bonitos, escondiam também um mundo de contradições, talvez porque naquela época casavam muito cedo.

Qual não foi a minha surpresa que quando cheguei na sala do meu avô, lá estavam seus cachinhos cor de ouro,a minha amiga, com olhar de marota, me dizendo: Eu vou participar também!

 Ela era invisível para os outros e ficava ao meu lado.

Que alegria, estavam todas as minhas melhores amigas e meu irmão.

Sentamos na sala da minha mãe só para ver as amigas dela chegarem.


A expectativa, era o acontecimento maior, ali estava a sensação da mais pura alegria. Na sala elas escutavam música de Marlene Dietrich.



Ficamos até a ultima chegar.

Claro que eu tinha esquecido este detalhe e tive que ir correndo no quarto da minha mãe para pegar estolas e seu perfume.

Sorrateiramente saíamos da sala dela para irmos a nossa e ali começava a brincadeira.


Meu irmão, o único que sabia o segredo do cofre do meu avô, ia até seu quarto, pegava um maço de cartas de jogar, que tinham mulheres nuas, Pareciam mais gordinhas que agora, logicamente que as senhoras ao lado jogavam com cartas normais.

Como era verde nosso vale!

Em vez de nos sentarmos em torno de uma mesa para fingir que jogávamos, logo pegamos o cigarro.

Cada um que eu fumava tonteava mais. Todos nós pitando, sem saber fumar...


Um atrás do outro. De belas senhoras, acabávamos no rock and roll.

Aquele licor de ovos fazia a diferença.

Como era bom afastar todas os sofás e botar um Elvis Presley para dançar.





Quando acordei, no dia seguinte a Madame Butterfly já não estava mais naquele plano.


Minha amiguinha tinha ido embora.

Deixou um bilhete, estava chateada comigo, mas tinha se divertido muito.

Pela primeira vez me deu um toque: Cuide-se!

Pensei:"Nada que ela não tenha feito também! "


E, depois aquilo fazia parte no meu desenvolvimento, Quando será que ia encontrá-la novamente?


Acordo naquela mansarda na Île Saint Louis e vou me preparando para pegar o metrô para ir à Vincènnes.

Quem diria Madame Butterfly daçando rock and roll,e tomando licor de ovos!

Acho que ela estava se preparando para o Harakiri!!!





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2 comentários:

    Carla Volkart disse...

    Mostras a delícia do viver em cada cantinho que encontras. Isso é lindo! Tão bom... Bom prá imitar. Go on! Tá ótimo de ler. bju Carla

  1. ... on 29 de abril de 2010 às 22:04  
  2. Anônimo disse...

    Oba!
    Um comentário!
    Obrigada amiga Carla, sempre é bom um querido comentáriio. É sinal que estou no caminho certo.
    Bjs

  3. ... on 30 de abril de 2010 às 11:31