fotos: Ricky Bools

(A arte de furar ondas)


Como eu poderia tirar o melhor desse tempo, como eu conseguiria transformar o ouro em... ouro?!


Não tinha idéia do que o futuro me preparava, e se eu ignorava o que estava me aguardando, não ia me preocupar com ele.

Ontem já passou, e se eu chorei ou se sofri, o importante é que de emoções eu vivi.

Aprendi a fazer na vida de um limão uma limonada.

Súbito, percebi que a sorte tramada pelas Moiras (deusas mitológicas do destino) era construída de momento a momento.

Assim gira a Roda da Fortuna. Elas iam me mostrando o caminho.

Viver aqui e agora – eterno presente a confirmar qualquer passado e a fortalecer a possibilidade de um futuro, quem sabe.



Pra que perder tempo com o ontem e o amanhã?

Eles já tinham existido e fatalmente existiriam (independente da minha vontade; portanto, meu compromisso era um só: o agora!).

Nos momentos de indecisão, sempre tive ao meu dispor uma pracinha ou um tronco de árvore.

Por mais que eu quisesse, jamais conseguiria ser totalmente non sense.

Mas estas horas sempre se apresentaram como um misto de medo – que se tornava numa espécie de desafio irresistível.

Um dia, bem cedinho, na beira do mar, o sol recém nascendo, as gaivotas, tomando o café da manhã, mergulhavam e traziam peixinhos prateados pelo bico.

Os caranguejos despertavam e botavam as suas garrinhas pra fora de seus buracos.

Era o começo da dança-brincadeira, que fazem todas as manhãs.

A dança é ótima: andam de lado, em ziguezague, até o esconderijo do outro.

Adoram brincar naquela areia branca fina!

Tomando aquela brisa que vinha junto com a maresia, e com sabor de recomeço, deparei-me com um tronco que as ondas, fortes, trouxeram para a areia. Puxei-o mais para perto de mim.

Esperei por algum tempo, para que o calor do sol o secasse um pouco. E ali me sentei.

Logo, logo apareceu minha "amiguinha", fiel como sempre, convidando-me para furar ondas. Eu respondi a ela, um tanto envergonhada: “Mas nunca tentei antes!...”

O mar estava perfeito: a água límpida, translúcida, as ondas suaves e decididas, a areia faiscando seu ouro natural e singelo, o verde do mato contrastando com o azul pleno do céu e o prata limpo das espumas.

Meu Deus!

Aquele amanhecer purificado era uma explosão da natureza para que tudo renascesse.

Nunca me diverti tanto!

A menina abria os bracinhos para me ensinar, botava a cabeça em meio a eles, e então dava um impulso, atirando-se e furando a onda, o corpo desaparecendo em meio à cortina d’água, e as espumas por cima, escondendo-o.

A menina ressurgia do outro lado, rindo. E eu ria junto, como se a vitória fosse minha.

No começo eu era bastante desajeitada; caía de barriga nelas, e embolava nas ondas, dando cambalhotas, descontrolada.

Mas ela, minha mestra tão jovem e já experiente, além de ousada, era graciosa como ninguém, e de tal forma que não tinha como eu não aprender.

Comecei a sentir-me como um golfinho.

Brincamos muito, muito, o suficiente até eu aprender a furar ondas – o que nos divertia como se tratasse de uma festa (e era uma festa!).

Vitória minha, claro, mas vitória dela também.

Isto demorou alguns séculos, um tempo inimaginável.

Até que eu virasse um peixinho, talvez.

E, quem sabe, até mesmo uma sereia.







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10 comentários:

    Anônimo disse...

    Fiquei pasma e encantada, encantada e pasma. Que bonita postagem! Que imagens inspiradoras. Uma autêntica lição de vida esse texto. Merece ser reproduzido em outros espaços.

    Beijos.

    Stella Romero - Paraty, RJ.

  1. ... on 13 de janeiro de 2010 às 13:47  
  2. Anônimo disse...

    Cara Marta,

    gostaria de parabenizá-la pelo texto muito bonito e inspirador. Não há quem não se sinta dentro do coração da Natureza ao ler o que você acabou de escrever. Palmas para você!

    Miriam Schiller Costa (Belo Horizonte. MG.)

  3. ... on 13 de janeiro de 2010 às 18:06  
  4. Anônimo disse...

    Amigas!
    Estava louca pra dar um mergulho no mar, que fugi dos fatos e fui parar no paraíso.Quando me dei conta;o texto já estava postado.
    Amigas, obrigada a viajarem comigo por todos lugares que a imaginação voar. Quando é assim fica tudo fácil.
    Marta

  5. ... on 14 de janeiro de 2010 às 10:28  
  6. Anônimo disse...

    Querida Marta: "fácil", você escreveu "fácil" acima, respondendo às leitoras (fiquei com ciúmes, hehehe). Escrever difícil é muito fácil, é só enrolar. Mas escrever tão "fácil" assim, tão espontaneamente desta forma, ah, grande blogueira, isso é uma arte! Você é mesmo um golfinho. E uma serei no mar de papel da primmeira redação (que imagino exista) e de cristal líquido do computador.

    Beijo.

    Evandro Almeida Castro. (Campinas, SP.)

  7. ... on 14 de janeiro de 2010 às 22:48  
  8. Anônimo disse...

    Nossa, amiga Marta, aqui, voc~e vai me dar licença, no entanto, você que é uma narradora por vocação de aventuras e histórias, deu uma de poeta. E não sei o que é mais contagiante, se uma aventura incrível, se uma história engraçada, se uma beleza feita de lirismo dos mais raros. Acho que tudo juntop E seu blog tem tudo isso junto. É de ler e reler.

    Suzana Martins Ribeiro - Cachoeira do Sul, RS.

  9. ... on 14 de janeiro de 2010 às 23:58  
  10. Anônimo disse...

    Caríssima,

    relaxante e revelador. Beleza pura!


    Evandro Luiz Ayres - Rio de janeiro, RJ.

  11. ... on 15 de janeiro de 2010 às 15:37  
  12. Anônimo disse...

    Marta,

    toda memorialista tem, no fundo, um grande senso de observação. Você revela isso principalmente neste texto, dando um espetáculo ao mostrar o quanto está atenta e viva em meio ao entorno, dentro do mundo, mesmo lá fora, mesmo quando o ambiente é, ou uma festa de luxo, ou um instante particular, numa manhã, à beira do mar. Você tem olhos e coração privilegiados.

    O que dizer além disso? Só mesmo lendo outra vez.


    Sílvio Luiz Bastos - Recife, PE.

  13. ... on 16 de janeiro de 2010 às 10:12  
  14. Anônimo disse...

    Bom, já sei aonde vou passar estas férias de verão! Na praia, nas águas e no cenário que Marta Schönfeld soube tão belissimamente criar para nós. Desenhar com palavras e escrever com imagens que também soube escolher. Martinha, quanto está a passagem? (Risos.) Abraços.


    Miguel Ângelo Cademartori - Santo André, SP.

  15. ... on 19 de janeiro de 2010 às 03:00  
  16. Anônimo disse...

    Fernanda Marques Fernandes1 de dezembro de 2010 às 01:04
    PA-RA-BENS MARTA VC É UM SUCESSO.TUDO NO BLOGK E´UM BANAL FANTASTICO MUITO SOFISTICADO. VALE A PENA LER. BJJJS FERNANDA

  17. ... on 4 de dezembro de 2010 às 10:03  
  18. Anônimo disse...

    Fernanda Marques Fernandes6 de dezembro de 2010 às 20:15
    olha, o q estou dizendo e o q as pessoas me falam qdo encaminho o blog, todo mundo me diz q é um es-pe-ta-cu-lo a leitura e eu fico adorando a dica. bjjjjjs fer

  19. ... on 6 de dezembro de 2010 às 14:23