Eu ficava totalmente absorvida com as perguntas que eu me fazia, mesmo sabendo que quando acordasse com as respostas, novas perguntas surgiriam e de novo o destino estaria me dando mais uma oportunidade (na busca por respostas renovadas).

Nesse devaneio tenho então plena consciência de que o caminho certo é aquele em que não tenho medo de errar.

A vida tem um movimento não linear: numa hora estamos com tudo; noutra, estamos com nada.

E é nesta hora que crescemos.

Afinal de contas, para que eu estava li, naquele grande museu?

Para repetir a minha história infantil?

Não, definitivamente não. Até porque a menina que sempre me acompanha, estava comigo.

Ela, que me ensinou a não julgar: eu sequer pensava se uma situação ia ser boa ou má, disto eu não tinha medo.


Meio louquinha, sim, pois às vezes eu me metia em cada uma!!!!

Então, todas as maravilhas arquitetônicas, igrejas, e até mesmo os mendigos me levaram a descobrir o porquê da pobreza do povo.


Sem isso, sem esse olhar que abarca tudo, nunca se chega na essência da riqueza de um país.

Se não olhamos para a origem, que é a precariedade, nascimento de tudo.

Comecei caminhando pelo bairro onde morava, tentando descobrir tudo o que fosse possível sobre o século XVII.


Aqui morou Racine, aqui neste pequeno hotel morou Mata Hari.

Por ali andava eu, cada vez mais assiduamente, procurando saber quem eram mesmo, afinal, estes personagens.

Ficava contente com as minhas caminhadas, dava-me conta de que (diferente do Brasil) ninguém estava me policiando.


Tinha total responsabilidade pela minha liberdade, também total.


Abríamos devagar uma famosa caixinha, examinando com olhos divertidos – a menininha e eu -, e celebrávamos a figurinha que surgia.


Minha amiguinha assiduamente estava a meu lado: ela adorava sentar nas praças com uma caixinha de “La vache qui rit”, um queijo popular na França, uma delícia.

Dentro da tampa do queijo tinha sempre uma figurinha do Walt Disney: ou a Minie, ou o Pluto, ou o Pato Donald... Todos eles!

Claro, isto eram os resquícios da infância brotando novamente e dizendo: eu ainda existo.


Nestes períodos, eu viajava para outras épocas, como a da mitologia grega.

Vinham-me seres na lembrança, o que eu estudara em filosofia, cuja cadeira me fascinava.

As Moiras, por exemplo, que adoro, as tecedoras do destino. Ficam nas fiadoras, dentro de cavernas, cada uma com sua função. Tecendo... tecendo...

Eu começava a cair em mim, pensando detidamente sobre as dores passadas de meus tios russos, que ficaram muito rústicos com a idade.


Dores que eles também tinham me causado, julgando-me, claro que mal.

Só porque eu era alegre e expansiva.

Minha mãe, aquela belíssima mulher, desde os meus 14 anos vinha numa ascendente depressão.

Embora eu não quisesse ter muita conciência disso (autodefesa, certamente), eu já estava, ali, começando a perdê-la.


Já disse que sou um pouco medrosa, e este medo da morte dela me acompanhava desde a minha infância.

Uma vez, ela foi para uma clínica muito boa, que ficava no bairro Assunção, em Porto Alegre, zona sul.

Saiu de lá com um fã famoso, Paulo Ruchell, irmão do Alberto.

Ele, junto com o Grupo Caverá, do qual fazia parte, foi autor da música Os Homens de Preto, um clássico popular regional que tinha um verso bem forte, este: "Os homens de preto trazendo a boiada vem vindo cantando dando gargalhada..."

Com estes acontecimentos em casa, nos divertíamos, apagando um pouco a dor que já carregávamos. aliviando a minha alma.
Ela era nossa alegria de viver.

A menina me deixava chorar como ela.





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6 comentários:

    Unknown disse...

    legal martinha bom conteudo, profundo e inteligente! um bj

  1. ... on 20 de outubro de 2009 às 11:32  
  2. Carla Volkart disse...

    Belíssimo!

  3. ... on 20 de outubro de 2009 às 16:34  
  4. Anônimo disse...

    escreve sim , voce escreve tao bem, tao lindo.

  5. ... on 20 de outubro de 2009 às 18:01  
  6. Sybil Schonfeld do Valle disse...

    Te amo mama, tu escreves muito bem, adoro... bjo Sybil

  7. ... on 21 de outubro de 2009 às 10:44  
  8. Paulo Bentancur disse...

    Super Marta! Emoção parece que definitivamente é a tua especialidade. Neste texto, em especial, quanta vida, quanto rito de passagem, quanto mergulho psicológico e afetivo, quanto drama pessoal e quanta força pessoal. Isso sem contar, como pano de fundo, a época que recrias, na França e no Brasil. Teu blog é um viagem no tempo, no espaço, na infinidade capacidade da memória e da criatividade. Parabéns e obrigado por estes momentos tão marcantes que viveste e que agora compartilhas conosco.

    Beijão.

  9. ... on 23 de outubro de 2009 às 10:23  
  10. Unknown disse...

    acho q tens um apaixonado...

  11. ... on 26 de outubro de 2009 às 15:45