Aquela menina que estava sempre ao meu lado andava chateada comigo. Tudo porque a minha juventude às vezes me tornava egoísta e eu já nem a escutava direito.

Não que eu achasse que sabia tudo, claro que não, mas eu ia resoluta demais na direção dos desafios que se apresentavam à minha frente, esfomeada para conhecer, direto, sem escala, tudo que se apresentava a cada situação nova.

Eu não sei se nessa época eu fiz uma fusão com ela ou, na verdade, uma confusão! Pois não estava mais achando-a um ser separado de mim e, ao mesmo tempo, a meu lado, como sempre aconteceu.

Como já disse, às vezes eu entrava numa fria, como também fria era a minha cabeça – que sempre dava um jeito de escapar elegantemente.

Sentia que em Paris o movimento hippie era muito devagar. Eu queria entender como era a Lucy in the sky with diamonds, queria conhecer Abbey Road, em que boulevard ficava, em qual atracadouro estava o Yellow submarine.




A ópera rock: Tommy bombando no mundo inteiro.
See me, hear me, touch me, feel me...

Eu já estava vivendo outra vida; não tinha nada para me queixar, mas sabia que ali perto tinha uma outra civilização que me chamava fortemente.


Natalie convidou-me para a villa que seus pais alugaram no verão, entre Sant-Tropez e... Isso já estava combinado.


O Zeka, por sua vez, havia terminado o namoro com Natalie e passara a viajar com suas amigas, um pouco mais velhas, como ele sempre gostou. Iam para os points mais luxuosos que existiam.


Praticamente mudou-se para o Principado de Mônaco durante o longo verão. Passou a viver em castelos, residências das amigas na Provence.


Quanto a mim, percebi que nosso convívio estava terminando. Foi o primeiro momento em que me senti sozinha. Minha sensação de desamparo era parecida com o de uma mãe que tem de dar o primeiro banho em seu filho. Confesso que fiquei até mesmo um tanto desesperada.


Mas então a menininha apareceu, furiosa, diante de mim!


– Não era isso o que você queria, me encontrar? Então! Caminha agora, caminha!, e sozinha!


É, parada que eu não podia ficar.


Resolvi pelo melhor: iria a Saint-Tropez veranear com minha amiga Natalie.


Comecei a me preparar.


Tinha uma amiga baiana, que gostava de costurar, combinamos de ir até o alto de Montparnasse para comprar no mercado Saint Pierre, uma feira onde tudo era mais barato, os tecidos - feitos pelos deuses - ali estavam à nossa disposição.


Fizemos vestidos maravilhosos, e para arrematá-los íamos a Rue Dal Boukier, onde podia-se encontrar os mais lindos acessórios.


Foi quando comecei a sentar nos bares do Boulevard Saint-Germain, mais precisamente no Café de Flore.



Os dias ensolarados, depois daqueles longos outono e inverno, eram muito agradáveis para se fazer um programa durante o qual eu testemunhava o mundo indo e vindo, passando por ali.



Eu só queria o movimento.

Comecei a ver aquela marcha de jovens com mochilas, com os cabelos longos, pintados de verde, de lilás. Tinham uma atitude que quando caminhavam, pareciam que estavam flanando.

Cada passo se juntava ao solo, numa cadência rítmica. A maioria levava os dizeres “paz e amor”.


Isto eu tinha ali, porém, minha profunda necessidade de viver mais – mais e mais – ia me deixando com questionamentos novos.

You say goodbye
I say hello.


Hello! Hello!
I don’t know why
You say goodbye
I say hello!

Este refrão da música dos Beatles me fez começar a entender o movimento de uma nascente humanidade.

Juntei todas as minhas roupas e deixei em um guarda-volumes. Enchi uma mala de maravilhas de verão que carreguei comigo. Enfim, qualquer problema, tinha a Natalie, mas eu não precisava.


Tinha sapatos ingleses, de plataforma, camisas esportivas Saint Laurent, em resumo: havia de tudo, do esportivo ao chique, qualquer coisa - a minha mala era uma feira!


Aliás, como sempre foi.

Liguei para a Natalie e ela me instruiu a pegar o trem e descer em Saint Ferdinand, estação na qual estaria me esperando.


Bem, rumo ao verão...














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8 comentários:

    Anônimo disse...

    Marta,

    grande registro histórico-afetivo! A História da Contracultura acontecendo ante seus olhos, e você, privilegiada testemunha, poderia ter deixado passar essa e outras em branco. Mas não. Décadas depois, traz para seu blog momentos da vida de todos nós, que podemos reviver lendo o que você com tanto molho tem reconstituído aqui. Parabéns, caríssima.

    Lauro Ritter Maya (Campos dos Goytacazes, RJ)

  1. ... on 2 de dezembro de 2009 às 08:12  
  2. Anônimo disse...

    Ah, amiga Marta, que saudade que tenho do tempo da minha juventude. Da juventude do planeta, principalmente o do lado Ocidental. E seu blog mostra isso com propriedade e aumenta ainda mais a nossa saudade.

    Obrigado.

    Luísa Martins - Pelotas, RS.

  3. ... on 2 de dezembro de 2009 às 08:14  
  4. Paulo Bentancur disse...

    Martinha, amiga:

    és a reinventora do Tunel do Tempo. E, coisa boa!, como é bom tirar férias contigo, isto é, através da leitura riquíssima em histórias do teu blog. A gente vibra, revivendo, e descansa ao mesmo tempo. Duplo prazer.

    Beijo grande.

  5. ... on 2 de dezembro de 2009 às 09:12  
  6. Marta Schönfeld disse...

    Amigos!
    Adoro quando tem comentários, não por vaidade, mas assim parece que estão me dizendo: vá em frente, v,a em frente!
    Obrigada Marta

  7. ... on 2 de dezembro de 2009 às 13:53  
  8. Anônimo disse...

    Oi Marta! Já tô achando que eu sou tu naquela época. Até parece que o Polansky e o Bronson já são meus íntimos também e daqui a pouco vão bater na porta prá irmos a Saint Tropez num jatinho de Porto Alegre que seja. E a Bardot que esteja lá! Nossa! Até posso sentir o gostinho das champagnes (muitas mis) na boca. Eta coisa boa tchê! Viver multiplamente!!! E nem preciso sair da poltrona.... Beijoca! Carla Volkart

  9. ... on 5 de dezembro de 2009 às 15:46  
  10. Unknown disse...

    Marta Como sempre surpreendes e emocionas...D+! Amei + essa tua crônica! Nossa! Q talento! Bjõ e parabéns! ^~^

  11. ... on 18 de novembro de 2010 às 23:57  
  12. Anônimo disse...

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  13. ... on 25 de abril de 2013 às 14:54  
  14. Marta Schönfeld disse...

    Cmte Barcellos Me atrevo adefinir como lhe conheci "espontanea" "irreverente" "atrevida" afrente de seu tempo !!!! Etc...........

  15. ... on 25 de abril de 2013 às 18:28